“Era a visão vermelha que
arrastaria a todos, fatalmente, numa dessas noites sangrentas desse fim de século . Sim, uma noite, o povo
em torrentes, desenfreado, correria assim pelos caminhos, gotejando o sangue
burguês, exibindo cabeças, semeando o ouro dos cofres arrombados. As mulheres
gritariam, os homens abririam suas queixadas de lobos, prontos para morderem.
Sim, seriam os mesmos farrapos, o mesmo matraquear de tamancos grosseiros, a
mesma turba assustadora, suja, de hálito fétido, varrendo o mundo caduco com a
sua irresistível avalancha de bárbaros. Arderiam incêndios, nas cidades não ficaria
pedra sobre pedra, regredir-se-ia à vida selvagem das florestas após o grande
cio, o grande regabofe, em que os pobres, numa só noite, extenuariam as
mulheres e esvaziariam as adegas dos ricos. Não sobraria nada, as fortunas e os
títulos das situações adquiridas desapareceriam , até o dia em que talvez
desabrochasse uma nova sociedade. Sim, eram essas coisas que estavam passando
pela estrada, como uma força da natureza, e vinha delas o vento terrível que
lhes açoitava os rostos.
Um enorme clamor se elevou,
dominando a Marselhesa:
- Pão! Pão! Pão!”
(Germinal, Émile Zola)