domingo, 22 de dezembro de 2019

O lar, a casa



[Thaisa Figueiredo]


“O lar, a casa – algumas peças exíguas, onde se apinhavam, de maneira sufocante, um homem, uma mulher periodicamente prolífica, um bando de meninos e meninas de todas as idades. Falta de ar, falta de espaço; uma prisão insuficientemente esterilizada; a obscuridade, a doença, os cheiros.

(A evocação feita pelo Administrador era tão vívida, que um dos rapazes, mais sensível que os outros, só com a descrição empalideceu e esteve a ponto de vomitar.)


E o lar era tão sórdido psíquica quanto fisicamente. Do ponto de vista psíquico, era uma toca de coelhos, um monturo, aquecido pelos atritos da vida que nele se comprimia. Que intimidades sufocantes, que relacionamento perigoso, insensato, obsceno, entre os membros do grupo familiar! Insanamente, a mãe cuidava de seus filhos (seus filhos)... cuidava deles como uma gata cuida de seus filhotes... mas como uma gata que falasse, uma gata que soubesse dizer e repetir uma e muitas vezes: ‘Meu filhinho, meu filhinho!...’ E ainda: ‘Meu filhinho, oh, oh, ao meu seio, as mãozinhas, a fome, este prazer indescritivelmente doloroso! Até que, finalmente, meu filhinho dorme, meu filhinho dorme com uma bolha de leite branco no canto da boca. Meu filhinho dorme...’

– Sim – disse Mustafá Mond, meneando a cabeça –, é natural que os senhores estremeçam.”


[Aldous Huxley, Admirável mundo novo.
Tradução: Vidal de Oliveira.]