quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Recorte: Germinal, Émile Zola (II)


“Era a visão vermelha que arrastaria a todos, fatalmente, numa dessas noites sangrentas  desse fim de século . Sim, uma noite, o povo em torrentes, desenfreado, correria assim pelos caminhos, gotejando o sangue burguês, exibindo cabeças, semeando o ouro dos cofres arrombados. As mulheres gritariam, os homens abririam suas queixadas de lobos, prontos para morderem. Sim, seriam os mesmos farrapos, o mesmo matraquear de tamancos grosseiros, a mesma turba assustadora, suja, de hálito fétido, varrendo o mundo caduco com a sua irresistível avalancha de bárbaros. Arderiam incêndios, nas cidades não ficaria pedra sobre pedra, regredir-se-ia à vida selvagem das florestas após o grande cio, o grande regabofe, em que os pobres, numa só noite, extenuariam as mulheres e esvaziariam as adegas dos ricos. Não sobraria nada, as fortunas e os títulos das situações adquiridas desapareceriam , até o dia em que talvez desabrochasse uma nova sociedade. Sim, eram essas coisas que estavam passando pela estrada, como uma força da natureza, e vinha delas o vento terrível que lhes açoitava os rostos.
Um enorme clamor se elevou, dominando a Marselhesa:
- Pão! Pão! Pão!”
 
(Germinal, Émile Zola)

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

 


Dove sta amore
Donde está o amor
Dove sta amore
Aqui jaz o amor
Amora jazz amor
Num lírico encanto
Cantos de amor da serra
Canto que em si se encerra
Cantos de dor singela
Cantos de dor sincera
À noite pelos cantos
Dove sta amore
Aqui jaz o amor
Amora jazz amor
Dove sta amore
Aqui jaz o amor


(Lawrence Ferlinghetti)


domingo, 25 de novembro de 2012

Desabafo de nº 1

A escrita se tornou uma procura desesperada pelo sentido das coisas. Mas não encontro nada. Escrever se tornou um vício, ou um remédio, ou uma droga que me leva a um lugar diferente dentro de mim. Um lugar onde me encontro, negando-me. E, às vezes, me sinto bem por escrever, me sinto útil, grandinho. E faço planos de lançar um livro. E penso em fazer parte de uma biblioteca. E penso que um dia virarei poeira, esquecido em páginas. Até que alguém me ache, e me redescubra na minha escrita, e me aponte verdades que até eu desconheça, pois não conheço verdade alguma. 

Liniers


sábado, 24 de novembro de 2012

Drummond sobre Machado. Machado sobre os olhos.


“Sei tão pouco a respeito de olhos e de mulheres que os portam! Muito menos que Machado de Assis, por exemplo, que, sem ser oftalmologista ou opticista, poderia reivindicar título de doutor em olhos, e, o que é mais, em olhos femininos. Não há mulher que ele pusesse em conto ou romance, de quem não informasse precisamente a cor, tamanho ou expressão dos olhos: garços, vulgares, de touro, mortais, da capa da última noite, bonitos de perto, submissos, viçosos, noturnos sem mistério, cheios de mistérios do Nilo, cálidos, grandes que deviam ter sido infinitos quando moços, literalmente de fogo, capazes de paixão e mando, opacos, compridos e agudos, menos sabedores mas dotados de um mover particular – para não falar nos faladíssimos de ressaca, ou de cigana oblíqua e dissimulada. (...) Não resta dúvida: técnico em olho de mulher, o criador de Capitu.”

(Drummond, na crônica O outro nome do verde, retirada do livro Seleta em prosa e verso, mas orginalmente publicada no Caminhos de João Brandão)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Daniel, céu aberto


- Dologlas, eu tenho um telescópio de verdade.

- É mesmo, Dan? E o que você já viu nele? 

- No céu, já vi gotas de chuva... Deus... e Dona Augusta.

- Quem é Dona Augusta?

- Ela morava lá perto de casa. Ela morreu. Tenho muita saudade dela, por isso pedi ao meu pai para comprar um telescópio. 

 
Daniel tem quatro anos de idade. 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O sonho de Cecília. A espera do cocheiro. Livros.


Outro dia sonhei que o coche fúnebre

Outro dia sonhei que o coche fúnebre
vinha buscar-me e eu não me achava preparada:
não estava nem morta nem doente,
e sentia que tinha de partir.
Então, disse para o cocheiro:
“Espere um pouquinho,
que estou acabando de ler este livro.”
E o cocheiro concordou e esperou.
Deve estar esperando.


Cecília Meireles

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A poesia de Caetano


Então tá combinado, é quase nada
É tudo somente sexo e amizade.
Não tem nenhum engano nem mistério.
É tudo só brincadeira e verdade.
Podemos ver o mundo juntos,

Sermos dois e sermos muitos,
Nos sabermos sós sem estarmos sós.
Abrirmos a cabeça
Para que afinal floresça
O mais que humano em nós.
Então tá tudo dito e é tão bonito

E eu acredito num claro futuro
de música, ternura e aventura
Pro equilibrista em cima do muro.

Mas e se o amor pra nós chegar,
De nós, de algum lugar
Com todo o seu tenebroso esplendor?
Mas e se o amor já está,
se há muito tempo que chegou
E só nos enganou?
Então não fale nada, apague a estrada
Que seu caminhar já desenhou
Porque toda razão, toda palavra
Vale nada quando chega o amor...


(Tá combinado – Caetano Veloso)

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

domingo, 7 de outubro de 2012

Recorte: Germinal, Émile Zola

 
“Etienne era todo ouvidos. Tinha sede de saber, de compreender esse culto de destruição, sobre o qual o mecânico não dava senão detalhes obscuros, como se estivesse guardando mistério para si.
 - Explica-te, homem. Qual é a finalidade de vocês?
- Destruir tudo... Exterminar as nações, os governos, a propriedade, Deus e o culto.
- Estou entendendo. Mas a que leva isso?
- À comuna primitiva e sem forma, a um mundo novo, ao começo de tudo.
- E os meios de execução? Como é que vocês vão fazer?
 - Pelo fogo, pelo veneno, pelo punhal. O salteador é o verdadeiro herói, o vingador popular, o revolucionário em ação, sem frases tiradas dos livros. É preciso que uma série de horríveis atentados aterre os poderosos e acorde o povo.
Falando, Suvarin transformava-se, ficava terrível.”
(Émile Zola, Germinal, Ed. Abril, página 251)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

"How can you leave, if I love you so?"

 
(Onde vivem os monstros, Spike Jonze, 2009 - o melhor dos meus melhores filmes, mais uma vez, incansavelmente.)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O que é a poesia?



“ – Poesia! Poesia! – murmurou Bertram.

 – Poesia! Por que pronunciar-lhe à virgem casta o nome santo como um mistério, no lodo escuro da taverna? Por que lembrá-la a estrela do amor à luz do lampião da crápula? Poesia! Sabeis o que é a poesia?

– Meio cento de palavras sonoras e vãs que um pugilo de homens pálidos entende, uma escada de sons e harmonias que àquelas almas loucas parecem ideias e lhes despertam ilusões como a lua as sombras... Isto no que se chama os poetas. Agora, no ideal, na mulher, o ressaibo do último romance, o delírio e a paixão da última heroína de novela, e o presente incerto e vago de um gozo místico, pelo qual a virgem morre de volúpia, sem saber por quê...

 – Silêncio, Bertram! (...) A poesia, eu t´o direi também por minha vez, é o voo das aves da manhã no banho morno das nuvens vermelhas da madrugada, é o cervo que se rola no orvalho da montanha relvosa, que se esquece da morte de amanhã, da agonia de ontem em seu leito de flores!

 – Basta, Claudius: que isso que aí dizes ninguém o entende: são palavras, palavras e palavras, como o disse Hamlet: e tudo isso é inanido e vazio como uma caveira seca, mentiroso como os vapores infectos da terra que o sol no crepúsculo irisa de mil cores, e que se chamam nuvens, ou essa fada zombadora e nevoenta que se chama a poesia!

 – À história! À história! Claudius, não vês que essa discussão nos faz bocejar de tédio?”


(Álvares de Azevedo, Noite na taverna, L&PM Pocket, 1998, páginas 59 e 60)

sábado, 1 de setembro de 2012

O homem do Estado



Dentro dos olhos de um homem do Estado, o que há? Toda essa subordinação a uma máquina que mata, de onde vem? O que fez com que as palavras amor e guerra se aproximassem? O que aconteceu com a memória histórica do povo que aplaude os militares e posam para fotografias ao seu lado? E as crianças, meu Deus, aguardam ansiosas o tiro ser detonado pelo fuzil! O tiro que mata os pássaros e o vento passageiro, infantil. Estão mortos a liberdade, a universidade, os meninos deste país.

O homem caminha automático como se recebesse comandos de um controle remoto; o homem caminha ritmado, sua expressão é dura, sua postura é séria e assusta (ou encanta!); ele é cruel no olhar, pode matar se quiser, pode morrer se quiserem, ele marcha. E o soldadinho de chumbo foi o seu sonho num dia de inocências. E a farda manchada de sangue, sob as botas a causa da mancha, agonizante, foi o seu sonho de juventude; e se conserva.

Roubaram sua infância, venderam-lhe ilusões que nunca tivera. Nos olhos camuflados não há mais brincadeiras nem sono tranquilo. O menino foi embora, banido. Em seu lugar implantaram, como um programa pré-definido, o guardião de uma pátria dissimulada. Ele não pode dormir sossegado, pois tem que proteger, sem ser protegido e amar, sem amor de volta. Sua família se orgulha do morto. O Estado ignora o cadáver obrigatório.

Reprogramaram a máquina humana. No lugar do coração, a obediência fria. No lugar da inconstância da voz, o tom grave de agora em diante. E o olhar paralisado, distante, sem hesitar, sem se distrair, sem riso, sem lágrima, sem afeto, o que vislumbra? No horizonte longínquo dos olhos haverá uma árvore solitária no alto de um morro de relva, com sua sombra generosa e alguém sentado nela? Haverá um pássaro entre nuvens, ou uma bolha que logo vive e se quebra? Haverá libertação e medo e humanidade, ou apenas gaiolas, hinos, coluna ereta, silvos e falso heroísmo? O herói está sendo forjado na argila despercebida. Reprogramaram a máquina humana. Cacem! Prendam! Torturem! Matem! Gozem! Depois aplaudam o horror da vida.

O homem do Estado morrerá feliz. Ele estará satisfeito por possuir um uniforme, um nome. Por toda a vida defendeu sua nação dela mesma. O inimigo sempre esteve dentro de casa: sob sua mira cega o próprio pé. Mas o homem do Estado não sabe do Estado. E está feliz por não saber, feliz e morto. Sorriso nos lábios azuis e endurecidos; no punhal cravado em suas costas, a bandeira do Brasil.

Na minha face escorre sozinha uma lágrima. Ela é sólida de ódio. O homem é um exército. A morte dele um massacre. Não existem lápides para o moço nem para o menino. Não há menção honrosa para o olhar perdido. O que há dentro dos olhos cínicos do país é uma bandeira e uma mentira. Dentro de mim a vontade de parar esse brinquedo que gira.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Viçosa (MG) sob os meus olhos


              Tenho que voltar, mãe, acorde.
              Voltar para aquele lugar desconhecido que agora chamo de meu. A vida presente me aguarda lá, acenando para mim, fingindo-se mãe, fingindo-se amiga, pedindo para que eu volte depressa, pois ela quer continuar.










A flor e a náusea


Preso à minha classe e a algumas roupas,
Vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me'?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

Drummond.

Onde vive a poesia


Há poucos anos atrás, li numa revista sobre a periferia, sobre a poesia, sobre a poesia na periferia. A reportagem falava sobre saraus semanais que aconteciam em favelas paulistas. Os moradores se reuniam, cantavam músicas e declamavam poemas de própria autoria. Havia silêncio, respeito, brilho nos olhos, calor no corpo inteiro: desejo de libertação através das palavras miúdas. Aquilo me impressionou fortemente. Escrevi um conto. Conto pouco, fraco, capenga das pernas, coitado (dele, só restou o título deste post, que era também o seu). Hoje, por um formidável acaso, reencontrei a causa daquela minha forte impressão – mas não vou me atrever a escrever de novo, um conto daqueles.

O poeta e idealizador do projeto de construir literatura, ou desliteratura, na periferia atende pelo nome de Sérgio Vaz, meu novo herói de carne e osso. Ele fundou, há dez anos, o Cooperifa: o tal projeto, a luz no túnel aparentemente infinito. Há outros saraus em periferias de São Paulo, ele não está sozinho. Mas se tornou o ícone, uma das pessoas mais influentes do país, o pai; ídolo que não quer ser ídolo: quer ser gente com pé no chão, livre para voar; uma daquelas pessoas que “agem no mundo como centelhas”; gente que move montanhas, ou morros...

A flor da poesia nasceu no asfalto, furou a náusea, retardou o enjoo, e agora todos sentam no meio da rua para observá-la de perto. A flor é feia. Mas é uma flor. E só quem já leu alguma coisa um dia sabe o quanto essa plantinha minúscula – ou coceira intrometida, ou amor desmedido – transforma, faz nascer o jardim inteiro. Emociono-me mais uma vez por saber do Sérgio Vaz, apaixonado. Por saber dos filhos dele, mais apaixonados ainda. Choro de felicidade por saber que há esperança para esse país pouco, fraco, capenga das pernas, coitado. E que ela, a flor verde, está na favela, dentro da gente. Gente linda, inteligente.



Blog do Sérgio Vaz, do Cooperifa: http://www.colecionadordepedras1.blogspot.com.br/

terça-feira, 7 de agosto de 2012

1 filme



Sinopse:

Guiados pela paixão, os personagens deste filme vão penetrando num universo feito de armadilhas e vinganças, de desejos irrealizáveis, da busca incessante da felicidade. O universo aqui é o da vida-satélite e dos tipos que giram em torno de órbitas próprias, colorindo a vida de um amarelo hepático e pulsante. Não o amarelo do embaçamento do dia-a-dia e do envelhecimento das coisas postas. Um amarelo-manga, farto.


Trailer:



Fotos:




Recomendado.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Após a festa


Quando o dia amanheceu, ainda havia cores. E havia ainda ecos de risos sinceros, danças coletivas no imaginário, e a vontade de estar perto. A nostalgia, o amor e a poesia também estavam lá – de tão leves, flutuavam, coloridos como aquele imenso balão, ou bolha de sabão, que sabemos, é a vida inteira.