“Chegou e entrou pelo corredor com tijolos à vista e o piso
cheio de buracos. Pediu para abrir a tranca, o responsável demorava a chegar,
gritou para alguém abrir e finalmente uma senhora, negra, 45 anos de idade,
aparecem, tira uma peça de ferro da cintura, parecida com uma chave de roda e,
ao girar a peça, a porta abre e ele entra.
Na porta, alguém se apresenta, branco, alto, cabelo curto,
não pega na mão.
- Estou vendo alguém para ficar com eles.
Uma mulher se aproxima, diz para o jovem branco que tem um
substituto, ele insiste em outro, parece que ninguém quer a missão de ter de
ficar com os alunos.
- Pra mim é tranquilo, eu dou conta, não precisa da presença
de um professor, se vocês quiserem.
- Você não conhece os alunos, não tem noção do que eles são.
Ele insiste que não precisa de ninguém, pergunta se os
livros da mala estão na mesa.
- Estão, aviso sempre eles, ‘não rasga o livro, não risca,
do jeito que está vai voltar para outros usarem’.
Ele contra-argumenta.
- Não preciso disso, senhora, todo mundo tem direito de
rasgar um livro se quiser, livros não são só para serem amados, tem livro que é
horrível, então, para quem num teve contato nenhum, tudo vale.
- Mas o senhor não sabe, eu lido aqui com traficante, com
ladrão de carro, com furto mesmo, e sei do que tô falando, falo pra eles que o
livro tem chip, que a gente sabe onde
tá cada um.
Ele ouve essa nojeira saindo da boca dela, um monte de lixo
como o que tem na margem da represa do próprio Grajaú, o mesmo monte de lixo
que ele vê nas esquinas quando foi pro Guacuri. Olha para o pátio e não vê
ladrões, assassinos, menores, vê crianças querendo ter uma oportunidade de
aprender.
O pátio está imundo, ele anda com a mala de livros. Desde
que decidiu fazer um projeto para estimular a leitura, nunca pensou que seria
assim, que voltaria tão desgostoso de cada evento. Foi ao banheiro, procurou
uma privada para urinar, mas só existiam buracos no chão, olhou para a mala com
os livros, que sentido fazia tudo aquilo? Deixou a mala no banheiro e saiu da
escola.”
(Ferrez, julho de 2013, Revista
Fórum)