“Deixe-me fazer-lhe aqui um
pedido: leia o menos possível trabalhos de estética e crítica. Ou são opiniões
partidárias petrificadas e tornadas sem sentido em sua rigidez morta, ou hábeis
jogos de palavras inspirados hoje numa opinião, amanhã noutra. As obras de arte
são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica.
Só o amor as pode compreender e manter e mostrar-se justo com elas. É sempre a
si mesmo e a seu sentimento que deve dar razão contra toda explanação,
comentário ou introdução dessa espécie. Mesmo que se engane, o desenvolvimento
natural de sua vida interior há de conduzi-lo devagar, e, com o tempo, a outra
compreensão. Deixe a seus julgamentos sua própria e silenciosa evolução sem a
perturbar; como qualquer progresso, ela deve vir do âmago do seu ser e não pode
ser reprimida ou acelerada por coisa alguma. Tudo está em levar a termo e,
depois, dar à luz. Deixar amadurecer inteiramente, no âmago de si, nas trevas
do indizível e do inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada
impressão e cada germe de sentimento, e aguardar com profunda humildade e
paciência a hora do parto de uma nova claridade: só isso é viver artisticamente
na compreensão e na criação.
Aí o tempo não serve de medida:
um ano nada vale, dez anos não são nada. Ser artista não significa calcular e
contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta
tranquila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha
nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam
num grande silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade.
Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é
tudo.”
Rainer Maria Rilke, em
carta a Franz Xaver Kapus
23 de abril de 1903, Viareggio,
perto de Pisa (Itália)
(Cartas a um jovem poeta, Biblioteca azul, trad. Paulo Rónai, 2013
Edição original: 1929)