Edward Hopper, Noite no escritório
“Nos escritórios não há amigos; há
pessoas que se veem todos os dias, que se exasperam juntas ou de forma isolada,
que fazem piadas e as celebram, que trocam suas queixas e transmitem seus
rancores, que falam mal da Diretoria como um todo e adulam cada diretor em
particular. A isso se chama convivência, mas só por ilusão a convivência pode
chegar a se parecer com a amizade. Em tantos anos de escritório, confesso que
Avellaneda é meu primeiro afeto verdadeiro. O resto tem a desvantagem da reação
não-escolhida, do vínculo imposto pelas circunstâncias. Que tenho em comum com
Muñoz, Méndez e Robledo? Apesar disso, às vezes damos boas risadas juntos,
bebemos algo, tratamos uns aos outros com simpatia. No fundo, cada um é um
desconhecido para os outros, porque nesse tipo de relação superficial se fala
de muitas coisas, mas nunca das vitais, nunca das verdadeiramente importantes e
decisivas. Creio que é o trabalho que impede outro tipo de confiança; o
trabalho, essa espécie constante de martelar, ou de morfina, ou de gás tóxico.
Algumas vezes, um deles (especialmente Muñoz) se aproximou para iniciar uma
conversa comunicativa de verdade. Começou a falar, a delinear com franqueza seu
autorretrato, a sintetizar os termos de seu drama, desse drama módico, parado,
desconcertante que envenena a vida de cada um, por mais comum que um homem se
sinta. Mas sempre há alguém que chama no balcão. Durante meia hora ele tem de
explicar a um cliente moroso sobre a inconveniência e as penalidades da mora,
discute, grita um pouco, seguramente se sente envilecido. Quando volta à minha
mesa, me olha, não diz nada. Faz o esforço muscular correspondente ao do
sorriso, mas comissuras se voltam para baixo. Então apanha uma planilha velha,
amassa-a com a mão, de uma maneira meticulosa, e depois a atira no cesto de
papel. É um simples substitutivo; o que não serve mais, o que ele lança ao
cesto, é a confidência. Sim, o trabalho amordaça a confiança. Mas também existe
a gozação. Todos somos especialistas na gozação. A disponibilidade de interesse
pelo próximo precisa ser gasta de algum modo; caso contrário, ela fica
reprimida e aí vem a claustrofobia, a neurastenia, e sei lá o que mais. Já que
não temos nem a coragem nem a fraqueza suficientes para nos interessarmos
amistosamente pelo próximo (não aquele próximo nebuloso, bíblico, sem face, mas
sim o próximo com nome e sobrenome, o próximo mais próximo, o que escreve à
escrivaninha aqui em frente e me alcança o cálculo dos juros para que eu o
revise e dê o visto), já que renunciamos voluntariamente à amizade, bem, pois
então vamos entrar em um clima de gozação com esse vizinho que por oito horas
está sempre vulnerável. Além disso, a gozação proporciona uma espécie de solidariedade.
Hoje o candidato é este, amanhã aquele, na sequência serei eu. A vítima das
chacotas pragueja em silêncio, mas logo se resigna, sabe que isso é apenas
parte do jogo, que em um futuro próximo, talvez dentro de uma ou duas horas,
poderá escolher a forma de desforra que melhor coincida com sua vocação. Os
gozadores, por sua vez, sentem-se solidários, entusiasmados, fulgurantes. Cada
vez que um deles acrescenta à gozação um tempero, os outros festejam, trocam
sinais, sentem-se excitados pela cumplicidade, só falta se abraçarem aos gritos
de urra. E que alívio é dar umas risadas, inclusive quando é preciso conter o
riso porque lá no fundo assomou o gerente com sua cara de melancia, que
desforra contra a rotina, contra a papelada, contra essa condenação
representada por estar oito horas enredado em algo que não tem nenhuma
importância, que só faz engordar as contas bancárias desses inúteis que pecam
pela simples razão de estarem vivos, de se deixar viver, desses imprestáveis
que acreditam em Deus apenas porque ignoram que faz muito tempo que Deus já
deixou de acreditar neles. A gozação e o trabalho. No fim das contas, em que se
diferenciam? E que trabalho nos dá ser gozadores, que cansaço. E que gozação é
esse trabalho, que piada de mau gosto.”
Mario Benedetti, A trégua,
1960, L&PM Pocket.