(Ana Teresa Barboza)
“No escritório de Natércio, ao
lado da mesa, estava o globo sobre um pilar de madeira. Bastava comprimir um
botão e a luz interior acendia, amarelada e suave, não alterando o azul dos
mares nem o colorido castanho das terras.
Virgínia girou o globo vagarosamente.
E assim que o hemisfério ocidental ficou para trás, ela o deteve entre as mãos.
Ali estava o Oriente. Deslizou o indicador sobre cinco letras negras que se
destacavam no colorido acinzentado: Índia. Conheceria o Ganges, sujo e
misterioso como o mundo. Depois, talvez o Egito. Como se sentiria em Tebas?
Pousou as mãos abertas sobre a
esfera. Entre intimidada e surpreendida, contornou-lhe a superfície morna, como
se pela primeira vez tivesse sido revelado o tamanho do mundo. ‘Para isso Ele
nos deu pernas’. Mas seria este realmente um plano de fuga? E os anos todos que
vivera percorrendo, de norte a sul, o mundo que criara dentro de si?! E aqueles
longos anos de desvairados sonhos não seriam as fugas verdadeiras, com os pés
ancorados? “E mesmo que seja esta uma fuga”, admitiu com humildade. Podia ser a
mais frágil das soluções, mas não lhe traria, pelo menos por ora, nenhum
sofrimento. Já bebera muito da sua taça e, embora estivesse convencida de que
ainda restava algo no fundo, uma voz lhe soprava que agora era a trégua.
Deixou cair os braços ao longo do
corpo. A viagem marcaria a primeira etapa. E depois? Apagou a luz e o globo
voltou à sua opacidade.”
(Lygia Fagundes Telles,
Ciranda de Pedra, 1954)