Essa é a contribuição do Kings of Convenience contra toda a melancolia presente. A
suavidade e a simplicidade das vozes e da melodia talvez sejam tudo de que
careço para me livrar desse peso sobre os ombros. Peso a que eu mesmo me
submeti. E ainda estou submetido, esgotado.
Outros versos, do Oswaldo Montenegro, agora
são mantra, oração, pedido à estrela que cai:
“Que essa minha
vontade de ir embora
Se transforme na
calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que
me corrói por dentro
Seja um dia
recompensada.”
(Metade - Oswaldo
Montenegro)
Ao
repeti-los espero profundamente que as águas calmas substituam a tempestade. E
perdurem.
“Descobri que na América e
provavelmente em todos os outros lugares, tudo se resumia a ficar na fila.
Fazíamos isso em toda parte. Carteira de motorista: três ou quatro filas.
Hipódromo: filas. Cinema: filas. Mercado: filas. Eu odiava filas. Senti que
deveria haver uma maneira de evitar as filas. Então a resposta me iluminou. Ter
mais atendentes. Sim, essa era a solução. Dois atendentes para cada pessoa.
Três atendentes. Deixem os atendentes fazerem fila.”
(Charles Bukowski, Ao sul de lugar nenhum, conto
Dr. Nazi, página 115.)
“ – Minha querida filha, (...)
Consultei o oráculo que, como sabes, não mente nunca e dirige toda a minha
conduta. Ele me ordenou que te fizesse correr o mundo. Deves viajar. (...)
Formosante,
que jamais saíra do palácio do rei seu pai e que, (...) só havia levado uma
vida muito insípida na etiqueta do fausto e na aparência dos prazeres, ficou
encantada com a peregrinação que iria fazer.”
(Voltaire, A princesa de Babilônia, página 38)
Está
decretado: a vontade de fugir é sentimento universal e constante. Agora ou
na Antiguidade, aqui ou na Babilônia remota, nunca estamos completamente
satisfeitos com o que temos nas mãos. Queremos mais. A isso, dá-se o nome de
ambição. No entanto, eu nomeio sobrevivência.
Cansei.
Mas não tenho
do que reclamar da vida. Possuo ótima família que me ama e entende; amigos
incríveis que me ouvem e riem comigo, e choram; até, quem diria, amor. Porém
esse tudo que me cabe parece pouco agora. Sinto-me preso em uma gaiola enquanto
a imensidão do céu lá fora me espera. O tudo já não me basta mais.
Assim como
Formosante, a Princesa de Babilônia, que apesar de ser herdeira do maior
império antigo, possuir milhares de servos e riquezas a sua disposição, ser a
mais bela de todas as princesas, ter tudo de que precisa, ainda assim, falta. Não
sei se essa ausência inominável será preenchida um dia, mas a busca é
necessária, mais do que isso, ela é vital.
Imagino que
todos estão sujeitos a essa cócega, que vira convulsão, de mudanças. O que
talvez falte à maioria é coragem de abrir novos caminhos na selva que é a vida.
Mudar de emprego, conhecer pessoas novas, relacionar-se com novos possíveis
amores, constituir família, abandonar o casamento falido, mudar de cidade,
iniciar a faculdade, viajar.
A estagnação e
o conformismo me causam medo e são também formas de morrer. Mudar é renovar o
viver, que já anda tão cansado.
Assisti a um
filme, Um lugar qualquer (2010), que
contava a história de Johnny Marco, ator de Hollywood, rico, bem sucedido
profissionalmente, mas vazio. O filme é arrastado como a própria vida do
protagonista, que quando não trabalha volta para casa, sozinho, onde fuma,
bebe, faz sexo, dorme e só. Durante todo o filme espera-se que algo aconteça,
mas não acontece, porque também falta algo para o Johnny. Ao final, ele abandona
o seu carro de luxo e foge. O sorriso no canto dos lábios que vemos é de alívio
e liberdade.
(Um lugar qualquer, Sofia Coppola, 2010)
Não tenho uma
Ferrari para abandonar, mas também preciso desse mesmo sorriso. Não abandonar e
esquecer – quero conservar tudo até aqui – mas renovar o oxigênio, os abraços,
os motivos do choro. Conhecer, quem sabe, o Vilarejo
da Marisa Monte, “onde areja um vento bom”, “o mundo tem razão” e o tempo
pode esperar.
(Vilarejo - Marisa Monte)
Por enquanto,
estou como O elefante drummondiano,
que procura um mundo novo e está “faminto de seres e situações
patéticas”. O elefante nada encontra, além de hostilidade. Mas continuará a
procurar. Eu e o meu elefante continuaremos.