sábado, 26 de janeiro de 2013
sexta-feira, 18 de janeiro de 2013
Aluga-se quarto
Durante o dia,
a mulher cada vez mais velha pode ainda se distrair com a rua, com compras
fracionadas, com o bolo na casa da vizinha. Mas à noite, mesmo com as luzes
acesas e os olhos abertos, parece-lhe impossível controlar alguns pensamentos
que, teimosos, insistem em lhe dizer algumas verdades. A mortificação do que
sem querer às vezes pensa, o silêncio pesado dentro de casa, a falta de
distração eficiente a fez considerar a derradeira alternativa: gente. Talvez
alugar aquele quarto sobrando? Terei alguém com quem conversar, quem sabe.
Estela, que
gostou imediatamente da própria ideia, pendurou uma placa no muro: “Aluga-se
quarto”. E um moço, no terceiro dia, passou na rua, leu o anúncio, entrou em
casa, de malas. As negociações com a dona do imóvel foram sucintas; a mulher de
cabeça sempre baixa, tímida – pois perdera o hábito da convivência, exceto com
plantas e cão – a mulher cabisbaixa muito mal fixou o rosto daquele que lhe
alugara um quarto. Acertaram as contas, ele repousou sua bagagem ao lado da
cama posta com cuidado e esperança – e se foi.
(Trecho de um conto
quase pronto. Um conto triste sobre a tristeza. Sobre o medo. Sobre a solidão. Um
conto sobre tentativa. Estou de mudança).
sexta-feira, 11 de janeiro de 2013
Carta aberta a um amigo distante
Pirapora, 10 de janeiro de 2013,
Minas Gerais, Brasil
Amigo,
Pirapora está quente. E isso não
representa qualquer novidade, eu sei, além de não ser um bom início de carta.
Mas, talvez, contigo tão distante, em terras frias, brancas, o calor seja um
elemento interessante, um fator surpreendente, algo tão extraordinário que te
faça levantar as sobrancelhas.
E toda essa quentura bloqueia
meus pensamentos, me resigna, me faz sentir alheio. Talvez seja mesmo culpa do
clima toda a alheiedade desta gente, que olha para a rua, para o ar, e olha as
pessoas que passam, sem esboçar qualquer reação, como se não pensassem, como se
enxergar além fosse não enxergar nada. A transcendência, por aqui, é ter o
pensamento bloqueado, é sentir-se assim como me sinto, destacado do resto.
Volto para Viçosa amanhã. Te
prometi uma carta, e não é por promessa que a escrevo, nem por dívida, é por
vontade, por saudade mesmo. E não poderia deixar de escrevê-la daqui, de onde
viemos, de onde fomos, e continuamos sendo. Como disse, amanhã volto. E vou
querendo. Quero voltar para minha nova cidade, sinto cada dia mais que o meu
lugar deixa de ser aqui e passa a ser lá. Sei o quanto é doloroso dizer isso,
me dói também. Mas sinto, com muita verdade, como se as linhas de continuidade
da minha vida estivessem me esperando em Viçosa, como fios soltos. Aqui, essas
linhas estão fechadas, são círculos. Quando estou em Pirapora, não vivo,
revivo. E rememorar é bom, é gostoso, mas estou num ponto em que é a vida que
quero, vida nova, que se tece todo dia outra. Por isso quero voltar. Mas tenho
medo de que chegue o dia em que nossa cidade não conserve mais do que um
sentido nostálgico, ou perca o sentido de todo. Hoje, em alguns momentos, já me
sinto como um estranho em minha própria casa.
Não sei se pergunto de você,
porque não tenho certeza de obter resposta. E é até bom que não perca tempo com
resposta. Quero mais é que viva tudo isso aí. Perca seu tempo com a felicidade,
meu amigo. Ela vale mais do que esta carta.
Fora o desconforto causado pelo
calor, tenho me sentido bem. O ano se iniciou cheirando a novo mesmo, e isso
sempre me foi raro. Espero que não seja somente uma concessão de primeira
semana, um doce que me será retirado da boca pelas próximas quarenta e sete. O
doce da novidade.
Espero que esteja tudo muitíssimo
bem contigo. Aguardarei o seu retorno, por mais que não nos vejamos de imediato
quando estiver aqui. Na verdade, não sei se espero a sua volta, ou se espero
que sua viagem dure o máximo que for possível, para além do tempo cronológico.
Qual das opções é a melhor? Você me diz.
Abraço grande, imenso, do tamanho
do mundo e da distância.
Até.
Douglas.
P.S.: Como você relutou em me
passar seu endereço, te envio esta carta assim mesmo, escancarada,
desendereçada. Não estranhe tanto quanto eu estou estranhando. Ao menos, ela
não correrá o risco de extravio. Se te enviasse por e-mail, seria e-mail, não
carta.
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Infância
A Abgar Renault
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca mais se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo,
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
(Drummond)
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