sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Aluga-se quarto


Durante o dia, a mulher cada vez mais velha pode ainda se distrair com a rua, com compras fracionadas, com o bolo na casa da vizinha. Mas à noite, mesmo com as luzes acesas e os olhos abertos, parece-lhe impossível controlar alguns pensamentos que, teimosos, insistem em lhe dizer algumas verdades. A mortificação do que sem querer às vezes pensa, o silêncio pesado dentro de casa, a falta de distração eficiente a fez considerar a derradeira alternativa: gente. Talvez alugar aquele quarto sobrando? Terei alguém com quem conversar, quem sabe.

Estela, que gostou imediatamente da própria ideia, pendurou uma placa no muro: “Aluga-se quarto”. E um moço, no terceiro dia, passou na rua, leu o anúncio, entrou em casa, de malas. As negociações com a dona do imóvel foram sucintas; a mulher de cabeça sempre baixa, tímida – pois perdera o hábito da convivência, exceto com plantas e cão – a mulher cabisbaixa muito mal fixou o rosto daquele que lhe alugara um quarto. Acertaram as contas, ele repousou sua bagagem ao lado da cama posta com cuidado e esperança – e se foi.

(Trecho de um conto quase pronto. Um conto triste sobre a tristeza. Sobre o medo. Sobre a solidão. Um conto sobre tentativa. Estou de mudança).


Nenhum comentário:

Postar um comentário