Durante o dia,
a mulher cada vez mais velha pode ainda se distrair com a rua, com compras
fracionadas, com o bolo na casa da vizinha. Mas à noite, mesmo com as luzes
acesas e os olhos abertos, parece-lhe impossível controlar alguns pensamentos
que, teimosos, insistem em lhe dizer algumas verdades. A mortificação do que
sem querer às vezes pensa, o silêncio pesado dentro de casa, a falta de
distração eficiente a fez considerar a derradeira alternativa: gente. Talvez
alugar aquele quarto sobrando? Terei alguém com quem conversar, quem sabe.
Estela, que
gostou imediatamente da própria ideia, pendurou uma placa no muro: “Aluga-se
quarto”. E um moço, no terceiro dia, passou na rua, leu o anúncio, entrou em
casa, de malas. As negociações com a dona do imóvel foram sucintas; a mulher de
cabeça sempre baixa, tímida – pois perdera o hábito da convivência, exceto com
plantas e cão – a mulher cabisbaixa muito mal fixou o rosto daquele que lhe
alugara um quarto. Acertaram as contas, ele repousou sua bagagem ao lado da
cama posta com cuidado e esperança – e se foi.
(Trecho de um conto
quase pronto. Um conto triste sobre a tristeza. Sobre o medo. Sobre a solidão. Um
conto sobre tentativa. Estou de mudança).
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