Trancado em meu quarto me sinto
seguro. Minhas paredes, meus livros e perfumes, o espelho e o que escrevo
formam uma âncora e um paradoxo. Estou tão próximo e quero me afastar de tudo
que me diz: é você. Tudo em meu quarto sou eu. Do cais do meu porto posso
enxergar minha vulnerabilidade nítida. Aquele homem está vulnerável a si.
Aquele homem ali com uma âncora de mentira, vê? Ancorando no vazio, aquele
homem perdido, vê?
Fora
da redoma com cortinas, há os outros e há também o mundo. Por instantes saio
esperançoso, forço sorrisos. Mas logo estou correndo dos tubarões, à deriva. O
mar não consegue me engolir, eu nado e nado até chegar de novo ao quarto,
assustado, açoitado por uma imensidão que não toco: sentimento de
pertencimento, ao contrário. Arfando tranco de novo a porta, posso respirar
sossegado. Mas respiração e pensamento também são dor e incerto, inseto. E o
mar é aqui dentro. Não consigo fugir de mim, estúpido.
Naquela
noite, o encontro com a mulher aflita, calada e tímida me fez chorar na sua
frente. Eu a vi, solitária, aprendendo a nadar já velha. E seu desespero surdo
chegou até mim, ou emanou do meu peito e logo encontrou repouso. Na frente da
mulher no meio do mar, na frente do homem com um b arco, choramos, qual imagens
refletidas. Apesar dos olhos piedosos, ninguém pediu nem ofereceu lugar na
embarcação vazia. Continuamos sozinhos, navegando, tentando ensandecidos, inúteis, mudos, mortos, não afogar.