“(…) O material do poeta é a vida,
dissemos. (…) É que a vida é para todos um fato cotidiano. Ela o é pela
dinâmica mesma de suas contradições, pelo equilíbrio mesmo de seus polos contrários.
(…)
Mas para o poeta a vida é eterna. Ele vive no vórtice dessas
contradições, no eixo desses contrários. Não viva ele assim, e transformar-se-á
certamente, dentro de um mundo em carne viva, num jardinista, num floricultor
de espécimes que, por mais belos sejam, pertencem antes a estufas que ao homem
que vive nas ruas e nas casas. Isto é: pelo menos para mim. E não é outra a
razão pela qual a poesia tem dado à História, dentro do quadro das artes, o
maior, de longe o maior número de santos e de mártires. Pois, individualmente,
o poeta é, ai dele, um ser em constante busca de absoluto e, socialmente, um
permanente revoltado. Daí não haver por que estranhar o fato de ser a poesia,
para efeitos domésticos, a filha pobre na família das artes, e um elemento de
perturbação da ordem dentro da sociedade tal como está constituída.
Diz-se que o poeta é um criador, ou melhor, um estruturador
de línguas e, sendo assim, de civilizações. Homero, Virgílio, Dante, Chaucer,
Shakespeare, Camões, os poetas anônimos do Cantar de Mío Cid vivem à
base dessas afirmações. Pode ser. Mas para o burguês comum a poesia não é coisa
que se possa trocar usualmente por dinheiro, pendurar na parede como um quadro,
colocar num jardim como uma escultura, pôr num toca-discos como uma sinfonia,
transportar para a tela como um conto, uma novela ou um romance, nem encenar,
como um roteiro cinematográfico, um balé ou uma peça de teatro. Modigliani –
que se fosse vivo seria multimilionário como Picasso – podia, na época em que
morria de fome, trocar uma tela por um prato de comida: muitos artistas
plásticos o fizeram antes e depois dele. Mas eu acho difícil que um poeta possa
jamais conseguir o seu filé em troca de um soneto ou de uma balada. Por isso me
parece que a maior beleza dessa arte modesta e heroica seja a sua aparente
inutilidade. Isso dá ao verdadeiro poeta forças para jamais se comprometer com
os donos da vida. Seu único patrão é a própria vida: a vida dos homens em sua
longa luta contra natureza e contra si mesmos para se realizarem em amor e
tranquilidade.”
(Vinícius
de Moraes, na crônica Sobre a poesia, publicada no livro Para viver
um grande amor, 1966, Livraria José Olympio Editora: Rio de Janeiro)