“Minha
impaciência chega a ser tão grande que às vezes me dói. Assim não
tenho gostado verdadeiramente da Itália, como não poderia gostar
verdadeiramente de nenhum lugar; sinto que há entre mim e tudo uma
coisa, como se eu fosse daquelas pessoas que têm os olhos cobertos
por uma camada branca. Sinto horrivelmente ter que dizer que esse véu
é exatamente minha vontade de trabalhar e de ver demais. Um dia
desses pensei com tristeza de como é genial a tortura da
mediocridade… Sinto tanto, tanto ser tão fraca. Gostaria de tal,
de tal forma poder trabalhar sem parar. Mas não consigo, as coisas
me vêm esparsas – e além disso eu de tal modo desconfio de mim,
com medo de escrever facilmente com a ponta dos dedos, que nada faço.
Quer me animar, Lúcio? Não que eu mereça ser animada, mas mereço
como qualquer pessoa ter os pés em cima da terra. Eu queria fazer
uma história cheia de todos os instantes, mas isso sufocava o
próprio personagem. Acho mesmo que meu mal é querer ter todos os
instantes. Que eu estou idiota, você não precisa dizer, sei bem...”
(Trecho
de carta enviada a Lúcio Cardoso por Clarice Lispector.
Correspondências – Clarice
Lispector. Organização: Tereza Montero, 2002. Ed. Rocco:
Rio de Janeiro.)