“Hamlet: Tem a
bondade de dizer aquele trecho do jeito que eu ensinei, com naturalidade. Se
encheres a boca, como costumam fazer muitos dos nossos atores, preferira ouvir
os meus versos recitados pelo pregoeiro público. Não te ponhas a serrar o ar
com as mãos, desta maneira; sê temperado nos gestos, porque até mesmo na
torrente e na tempestade, direi melhor, no turbilhão das paixões, é de mister
moderação para torná-las maleáveis. Oh! Dói-me até ao fundo da alma ver um
latagão de cabeleira reduzir a frangalhos uma paixão, a verdadeiros trapos,
trovejar no ouvido dos assistentes, que, na maioria, só apreciam barulho e
pantomima sem significado. Dá gana de açoitar o indivíduo que se põe a exagerar
no papel de Termagante e que pretende ser mais Herodes do que ele próprio. Por
favor, evita isso. (...)
Também não é preciso ser mole demais; que a discrição te
sirva de guia; acomoda o gesto à palavra e a palavra ao gesto, tendo sempre em
mira não ultrapassar a modéstia da natureza, porque o exagero é contrário aos
propósitos da representação, cuja finalidade sempre foi, e continuará sendo,
como que apresentar o espelho à natureza, mostrar à virtude suas próprias
feições, à ignomínia sua imagem e ao corpo e idade do tempo a impressão de sua
forma. O exagero ou o descuido, no ato de representar, podem provocar riso aos
ignorantes, mas causam enfado às pessoas judiciosas, cuja censura deve pesar
mais em tua apreciação do que os aplausos de quantos enchem o teatro. Oh! já vi
serem calorosamente elogiados atores que, para falar com certa irreverência,
nem na voz, nem no porte mostravam nada de cristãos, ou de pagãos, ou de homens
sequer, e que de tal forma rugiam e se pavoneavam, que eu ficava a imaginar
terem sido eles criados por algum aprendiz da natureza, e pessimamente criados,
tão abominável era a maneira por que imitavam a humanidade.”
(Willian Shakespeare, Hamlet,
1600-1601)
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