quarta-feira, 13 de junho de 2018

Esta é uma era de fragmentos

Thaisa Figueiredo


“Esta é uma era de fragmentos. Umas poucas estrofes, algumas páginas, um capítulo aqui e ali, o começo de um romance ou o final de outro são iguais ao melhor de qualquer tempo ou autor. Mas podemos encarar a posteridade com um punhado de folhas soltas, ou pedir aos leitores desses dias vindouros, com a totalidade da literatura à frente, que peneirem nossos imensos montes de entulho para achar nossas minúsculas pérolas?

[...] Esta é uma época esgotada e estéril, repetimos; devemos olhar para o passado com inveja. Ao mesmo tempo, este é um dos primeiros dias bonitos da primavera. À vida, de modo geral, não falta cor. O telefone, que interrompe as mais sérias conversas e logo corta as observações de mais peso, não deixa de ter seu romantismo. E o falar à toa de pessoas sem esperança de imortalidade, que assim podem dizer tudo o que pensam, dispõe não raro de um cenário de luzes, ruas, casas, pessoas belas ou grotescas que há de entrelaçar-se para sempre ao momento.

[...] Nosso otimismo é, pois, em grande parte instintivo. Provém do dia bonito e da conversa e do vinho; provém do fato de a vida, ao levantar dia a dia esses tesouros, sugerir dia a dia mais do que pode a loquacidade expressar, que, por mais que admiremos os mortos, preferimos a vida como ela é. Há no presente alguma coisa que não queremos trocar, ainda que viver em qualquer das eras passadas se oferecesse à nossa escolha. E a literatura moderna, com todas as suas imperfeições, tem esse mesmo poder de retenção sobre nós e exerce o mesmo fascínio. Ela é como um parente que não recebemos bem e atormentamos diariamente com críticas, mas do qual, afinal de contas, não podemos prescindir. Tem a mesma cativante característica de ser o que também somos, o que fizemos e onde estamos vivendo, em vez de ser outra coisa, por grandiosa que fosse, vista pelo lado de fora e alheia a nós.”


Virginia Woolf, Como impressionar um contemporâneo, 1923.
Retirado do livro O valor do riso e outros ensaios, Virginia Woolf, Cosac Naify, 2014. Tradução: Leonardo Fróes.

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