(autoria desconhecida)
“O céu se tornara mais limpo,
inteiro, desviando-se do azul para o lilás. De vez em quando se ouvia o
estrondo de uma detonação.
O que é que você está preparando
agora, Sara? Marcela perguntou.
Uma teia, ela disse. Uma teia
entre livros. –
– Uma linha sai de um livro, vai
a outro livro, e a outro. –
– Vou costurar uma biblioteca
inteira.
Tom abraçou-se às duas:
Hadar... Acrux, Becrux – ali, no
Cruzeiro do Sul. Antares, a Oeste. Pégaso, Andrômeda, Escultor, Fênix... Tom ia
apontando o céu, unia com os dedos as constelações invisíveis.
Lá embaixo: Aldebarã, Bellatrix –
bem embaixo, no leste.
Urano? Se você quer Urano, está
ali atrás, correndo sobre Peixes, perto de Netuno. –
– Urano. Uma bola azul, gasosa,
gelada. Os dias lá passam depressa, mas os anos não acabam.
No dia em que eu recuperar as
palavras, ele disse, vou entender alguma coisa – essas superfícies, essa
agonia.”
[Marcílio França
Castro, A superfície dos planetas.
In: Histórias naturais, Companhia das
Letras, 2016]