quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Fala sobre o barco

 


(Storm, Jesús Meneses del Barco, 1962)


"É um barco de recreio, branco. O convés está iluminado e vazio. O mar está tão calmo, as velas estão dobradas, o ronco do motor é macio, tem a leveza do sono. Ele anda pela praia, fica em frente ao barco. Viu-o de uma só vez, como ao sair do escuro, só o viu quando estava diante de si.

Não há mais ninguém na praia. Ninguém mais vê o barco.

O barco faz a volta e passa ao longo de seu corpo, é uma espécie de carícia íntima, um adeus. Passa-se muito tempo antes que o barco chegue ao canal. Ele volta ao terraço para melhor acompanhá-lo com os olhos. Não se questiona sobre o que aquele barco está fazendo ali. Chora. Depois que passou ainda continua ali, a prantear seu luto. 

O jovem estrangeiro de olhos azuis cabelos pretos partiu para sempre. 

Só muito depois ele volta para o quarto. De repente gostaria de nunca mais voltar a parte alguma. Fica encostado na parede externa da casa, agarrado às pedras, a pensar que talvez seja possível nunca mais voltar a parte alguma. Volta.


(...)


Fala sobre o barco.

Diz que vira passar um barco de recreio, ali, bem próximo, a cem metros da margem. O convés estava vazio. O mar parecia um lago, o barco vogava sobre um lago. Uma espécie de iate. Branco. Ela pergunta quando. Ele não sabe mais, há várias noites.

Ela nunca vira um barco naquela praia. Mas por que não? Pessoas perdidas, por certo, no nevoeiro - nesta estação há sempre nevoeiro em alto-mar - e que se dirigiam às luzes dos grandes hotéis dos balneários. 

Ele ficara na praia até o barco desaparecer no canal. O ruído lento do motor penetrara em seu coração de uma maneira até então desconhecida. Ele acha que o desejo pelo jovem estrangeiro de olhos azuis cabelos pretos ocorrera pela última vez naquele momento, quando o barco se afastara da praia. Devia ter caído na areia quando o barco desaparecera. 

Quando despertara, muito tempo depois do desaparecimento do barco, uma onda alcançara a parede da casa, caíra a seus pés como para evitá-lo, orlada de branco, viva, como uma mensagem. Ele a considerara como uma resposta que lhe houvessem enviado do barco. Para não mais esperar o jovem estrangeiro de olhos azuis, ele nunca mais voltaria às praias da França."


(Marguerite Duras, Olhos azuis, cabelos pretos.)


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