Esses dias, um aluno me mostrou os seus poemas, ele é mecânico e escreve poesia nas horas vagas. Na última vez que fui cortar o cabelo, meu cabeleireiro e seu irmão, que estava ali à toa bebendo cerveja e ajudando a varrer os cabelos, me confessaram que já foram cantores de soul na noite de Belo Horizonte. Um dia me chegou por e-mail uma novela escrita por um ex-aluno angustiado com o fim do ensino médio. Da mesma forma que me chegou, há dois anos, um poema e o plano de escrever uma distopia de uma aluna que mudou de escola e hoje escreve e-mails como se esta fosse sua obra-prima. O que me faz lembrar de uma crônica do Drummond, em que ele elogia esses "artistas silenciosos, sem medalha nem prêmio", como uma pintora de bairro, que inscreve suas telas ignoradas num concurso da cidade. Ontem uma amiga me confessou o desejo de escrever um livro com suas cartas de amor. O que me faz lembrar de Bernardo Soares, empregado de escritório em Lisboa, que escreve enquanto contabiliza e registra a burocracia da vida ordinária, depois confia seus originais a Fernando Pessoa. Do mesmo modo como um dia eu confiei ao meu professor de português os contos que escrevia. E um amigo escreveu o primeiro capítulo de um romance, postou no Facebook e ficou por isso mesmo. Um paralelo torto com uma aluna que escreveu seu primeiro poema na minha aula e agora está editando e criando ela própria a capa do seu primeiro livro, do qual provavelmente se arrependerá depois.
domingo, 27 de outubro de 2024
Virgínia,
Pedi aos alunos que escrevessem uma carta para a personagem Virgínia, do romance "Ciranda de pedra", de Lygia Fagundes Telles. Uma carta de despedida, era esse o comando, porque a personagem termina o livro em mais uma partida, e porque nós próprios precisávamos deixá-la ir após finalizada a leitura.
Um aluno, então, escreveu esta carta que reproduzo aqui, como um lembrete para mim; esta carta que está fixada no mural da sala desde maio, junto dos avisos escolares, porque toda a turma entendeu que nunca poderíamos perdê-la de vista; uma carta que nunca foi devolvida ao autor, porque ironicamente ele mudou de cidade algumas semanas depois de tê-la escrito. Uma carta que diz:
"Virgínia,
Mudanças são difíceis, mas só quando há algo para mudar. Ache seu algo e continue sendo esse espírito livre que você é. Às vezes nós temos que entender que ao invés de mudar o mundo, nós temos que evitar que o mundo nos mude e mesmo assim tentar extrair o melhor que ele tem a oferecer. Talvez a vida não tenha sentido, mas quem disse que ela precisa ter? Viva e ria na cara do absurdo que é viver!".
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