domingo, 27 de outubro de 2024

Espelhos


Esses dias, um aluno me mostrou os seus poemas, ele é mecânico e escreve poesia nas horas vagas. Na última vez que fui cortar o cabelo, meu cabeleireiro e seu irmão, que estava ali à toa bebendo cerveja e ajudando a varrer os cabelos, me confessaram que já foram cantores de soul na noite de Belo Horizonte. Um dia me chegou por e-mail uma novela escrita por um ex-aluno angustiado com o fim do ensino médio. Da mesma forma que me chegou, há dois anos, um poema e o plano de escrever uma distopia de uma aluna que mudou de escola e hoje escreve e-mails como se esta fosse sua obra-prima. O que me faz lembrar de uma crônica do Drummond, em que ele elogia esses "artistas silenciosos, sem medalha nem prêmio", como uma pintora de bairro, que inscreve suas telas ignoradas num concurso da cidade. Ontem uma amiga me confessou o desejo de escrever um livro com suas cartas de amor. O que me faz lembrar de Bernardo Soares, empregado de escritório em Lisboa, que escreve enquanto contabiliza e registra a burocracia da vida ordinária, depois confia seus originais a Fernando Pessoa. Do mesmo modo como um dia eu confiei ao meu professor de português os contos que escrevia. E um amigo escreveu o primeiro capítulo de um romance, postou no Facebook e ficou por isso mesmo. Um paralelo torto com uma aluna que escreveu seu primeiro poema na minha aula e agora está editando e criando ela própria a capa do seu primeiro livro, do qual provavelmente se arrependerá depois.

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