terça-feira, 12 de novembro de 2024

Saudades de casa

(Manuel Álvarez Bravo, Os agachados, 1934)

"Perceber que não nos esgotamos nas posições que ocupamos é perceber que existem coisas mais importantes do que essas posições, como se poderia perceber, estando em viagem, a importância que tem para nós qualquer coisa de trivial e muito familiar. É como se precisássemos sair das posições que ocupamos para perceber não a importância dessas posições, mas a importância das coisas para além dessas posições. A vida que assim nos é mostrada é a vida para lá da nossa vida. Que haja vida em Milão enquanto não estamos lá dá-nos uma imagem disso, do tipo de burburinho que existe além de nós e que sobreviverá a nós. É nesse sentido que tomar contato com o fato de que há vida em Milão pode ser uma experiência de humildade. Sair de onde estamos faz-nos perceber que não nos esgotamos na posição que ocupamos, faz-nos perceber que existe vida do outro lado. Mas, se assim é, o que aprendemos sobre nós em lugares estranhos é acerca de nossa vida para além daquilo que nos é familiar. Talvez isso seja necessariamente assim."


(Ana Almeida, Saudades de casa

ensaio publicado na Revista Serrote nº 17, julho de 2014)

Notas de leitura: "Olhos azuis, cabelos pretos", Marguerite Duras

 


Como escrever sobre um livro que é puro vazio?

Os dois personagens principais, apenas referidos como “Ele” e “Ela”, amam o mesmo homem: um estrangeiro de olhos azuis cabelos pretos.

Os dois amam um homem que se foi.

Os dois se encontram, choram, choram, lamentam cada qual a sua perda, sem saberem que compartilham o mesmo objeto de amor.

Ele a convida para passar as noites em sua casa. Ela aceita, em troca de dinheiro. Lá, eles se olham, dormem, trocam diálogos disfuncionais, não se escutam, sobretudo não se escutam, choram.

Estão à beira-mar. As ondas quebram na parede do quarto. Ela fica nua em sua frente, abaixo de uma luz central, como num teatro de um único espectador.

Eles não se tocam. Eles não se amam. Eles se amam.

Trata-se de um encontro estranho, que não serve para nada.

A ausência, a ignorância, a repetição, o esvaziamento ocupam a centralidade da narrativa. Eles amam um personagem ausente, mas tão presente em sua fantasmagoria que os faz chorar. Eles tecem para si, noite após noite, a mortalha de um amor inalcançável, que “nunca mais voltaria às praias da França”.