“Por si, ele nunca dera uma festa. Talvez mesmo nunca tivesse apreciado uma festa completa. Manuelzão, em sua vida, nunca tinha parado, não tinha descansado os gênios, seguira um movimento só. Ele Manuelzão nunca respirara de lado, nunca refugara de sua obrigação. Todo prazer era vergonhoso, na mocidade de seu tempo. Não queria que o patrão e os outros pensassem que ele estava gozando a vida. Tinha vergonha de saberem que estava lá, em sua casa, em lùademéis, casado por um divertimento.
Agora, ei, esperava alguma coisa. Agora, o que se estabelecia era a festa. Uma festa terrível. Até para fazer festa, a gente carece de estar acostumado.
Mundo grande! Mas, ainda muito maior, quando a gente podia estar em sua casa, e os outros vinham, empoeirados de sete maneiras, por estradas sertanias – e pediam um café, um gole d´água. Cada um tinha visto muita coisa, e só contava o que valesse. Ao depois, nos acabados, essa gentama se espalhava, indo-se embora. Uma festa é que devia de durar sempre sem-fim; mas o que há, de rente, de todo dia, é o trabalho. Trabalhar é se juntar com as coisas, se separar das pessôas. Boiada! Mas só para se raciocinar depois da festa.
Alegria, sim. Todos deviam de tomar divertimento. Manuelzão não sabia, nunca em sua vida tinha dansado. A festa era o a-esmo, um acontecido de muitos, os espaços, uma coisa que não se podia pegar. Assim correndo bem. Todo o mundo se associava ali, estavam gostando, pelo esperado. Mas, para Manuelzão, a festa como que se desmanchava desde as cabeceiras, alguma coisa, muito miúda, devia de estar faltando.
‘Seo Manuelzão, quem hoje está no Céu eu sei quem é: senhora sua mãe, que haverá de estar contente...’
Solta, a festa não era entendida dele Manuelzão, não correspondia às alças. Será que a vida da gente assenta bem com festa? A música, o inteirado da música, às vezes cativava: bonito como dinheiro... A música derretia o demorado das realidades. A música repartia as tristezas por todos, cada um seu quinhão. Mas dava receio. Assim a música amolecia a sustância de um homem para as lidas. Talvez ela merecesse para se ouvir de noite, em cama deitado – quando as coisas da vida, um pouco da feiúra do corriqueiro, se descascavam, e o pensamento da gente tinha mais licença. Agora, agora, porém, a festa era bobagem: a festa era impossível... A festa não existia.
Descansadamente, de um certo modo, a festa era coisa que molestava. Também, não se arma festa todo dia. Manuelzão saía de lá, queria estar mais simplificado. Mas, debaixo de tão curtas horas, e sentia que estava caído de alturas – das alturas da festa. Tudo era diferente do que devia de ser. Mesmo enquanto se festava, a gente carecia de sofrer o ramêrro dos usos, o mau sempre da vida: uns adoeciam com moléstias, outros se entristeciam, alguém tinha de cuidar das necessidades de todos, rompe reinavam as maçadas, e a gente tinha de precatar os perigos do amanhã, que subia armado contra os fundamentos de hoje. Os outros aceitavam o misturado disso, entravam nús na festa, feito fossem meninos. Mas, ele, Manuelzão, não. Não conseguia. Para ele, o apreciável das coisas tinha de ser honesto limpo, estreito apartado: ou uma festa completa, só festa, todamente – ou mas então a lida dura, esticada, sem distração, sem descuido nenhum, sem mixórdia! Mais uns enganos. Homem, não suspirava. Mesmo, competia de demonstrar cara satisfeita, não dessem de reparar e falar, desfazendo em sua bôa fama. Por pouco, quem sabe até iam dizer: – Festa de Manuelzão, todos divertem, ele não... Não queria. A festa não é pra se consumir – mas para depois se lembrar... Até para fazer festa, a gente carece de estar acostumado.
‘Então, está apreciando, que tais?’
‘Ah, seo Manuelzão, eu acho que devia de ser é uma festa só, os dias todos... Manuelzão, sua festa é bôa!’
[Remix literário feito a partir da novela "Uma estória de amor (Festa de Manuelzão)", de João Guimarães Rosa, em ocasião do meu aniversário de 32 anos.]
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