Quando
o dia amanheceu, ainda havia cores. E havia ainda ecos de risos sinceros,
danças coletivas no imaginário, e a vontade de estar perto. A nostalgia, o amor
e a poesia também estavam lá – de tão leves, flutuavam, coloridos como aquele imenso
balão, ou bolha de sabão, que sabemos, é a vida inteira.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
terça-feira, 24 de julho de 2012
Vamos ler para as pessoas tristes?
Depressão da velhice
“Recebi dois e-mails que me deram grande alegria. Um deles, de uma mulher que me
falava de sua mãe. O outro, também de uma mulher, falava-me sobre sua avó. A
primeira me contava de sua mãe, já velha, como eu, que estava mergulhada numa
profunda melancolia. Passava os seus dias com olhar perdido. Certamente pensava
no fim que se aproximava. Nunca havia lido um único livro em toda sua vida. Na
tentativa de tirar sua mãe da depressão, começou a ler para ela alguns dos meus
textos. Um milagre aconteceu. Ela ressuscitou. Começou a ler e agora não queria
parar. A outra me contou algo semelhante. Sua avó vivia a tristeza de duas
perdas: do marido e da filha. A neta teve a mesma ideia: começou a ler para a
sua avó. O mesmo milagre aconteceu. Agora não parava de ler. O que teria acontecido?
Talvez eu, velho, tivesse colocado em palavras coisas que estavam nas suas
almas. A grande tristeza da velhice é a solidão. Lembro-me de uma tola,
tentando consolar um velho de 92 anos que só vivia de saudades: ‘É preciso
esquecer o passado! É preciso olhar para a frente!’. Mas que ‘para frente’
existe na alma de um velho de 92 anos? Talvez uma coisa simples e barata que
possa ser feita para os velhos seja ler-lhes literatura, quem sabe poesia. A
literatura nos liberta da solidão. E traz alegria.”
(Rubem Alves, Ostra feliz não faz pérola, Ed. Planeta
(2008), página 252).
terça-feira, 17 de julho de 2012
Clarice, minha nova amiga
O bom escritor, que tem nos seus
dedos a alma, deixa gravado em sua obra mais do que ideias e características
literárias temporais: deixa, como legado, tudo o que foi, o emaranhado complexo
de sentimentos e humanidade. Através das palavras mentirosas – poemas,
romances, contos – encontramos verdades embaçadas, duvidosas, sobre o quem foi
e o como foi aquele ser angustiado. Ele nos diz, nas entrelinhas, o que nem
mesmo soube fora delas. E pela confiança em nos confessar, mesmo em sussurros
tímidos, os seus segredos íntimos, tornamo-nos amigos do bom escritor – ou
inimigos, dependendo do que ele nos diz e não gostamos. Certo é que, durante o
tempo de leitura, é como se andássemos lado a lado com ele, numa conversa em que
mais se ouve do que se fala. Permanecemos sem respostas definitivas e a obra se
acaba, e ele se vai, ainda cheio de mistérios. Até o próximo livro.
E o próximo livro, de repente,
são cartas. Cartas pessoais e verdadeiras. As palavras deixam de dizer
mentiras, e o bom escritor, o outro confuso, finalmente se desnuda. Assim, sem
roupas e figuras de linguagem que antes lhe cobriam as verdades, podemos
conhecê-lo melhor, abraçá-lo com força, sem medo, sem desconfianças. Foi assim que
conheci, certo dia, minha nova amiga, Clarice Lispector.
Correspondências Clarice Lispector é uma compilação de cartas da
escritora organizada por Teresa Montero. Elas cobrem a vida de
Clarice desde a década de 40 até 1977, quando ela falece. Nesse livro, uma
descoberta, encontram-se correspondências escritas e recebidas por ela de
familiares e amigos, dentre eles Fernando Sabino, Rubem Braga, João Cabral de
Melo Neto. Há cartas enviadas ao então presidente da república, Getúlio Vargas,
pedindo pressa e cuidado especial na concessão da tão aguardada naturalidade
brasileira (Clarice nasceu na Ucrânia, mas mudou-se para o Brasil ainda bebê).
Há também aquelas de cunho profissional, em que discute a edição de seus
livros, direitos autorais e perspectivas de trabalho. Mas são as cartas
puramente pessoais e íntimas as que mais encantam.
Clarice, mais do que “a deusa da
literatura brasileira” como titula Andréa Azulay, era uma mulher comum,
contrariando os estereótipos deformados que a sua literatura implica. Muitas vezes
ouvi conferirem a Clarice adjetivos como “louca”, “perturbada”, e talvez ela o
seja mesmo – como todos nós o somos em nossas medidas.
Minha nova amiga também se
preocupava com vestidos, com o tempo, com a matrícula do filho na escola, com a
falta de dinheiro, com as cores das paredes de sua casa. Nas suas cartas ela
divide com os seus destinatários, e agora também conosco, conselhos de como
escrever bem, recomendações de literatura, descrições de paisagens banais.
Aliás, Clarice Lispector também é uma mulher banal. Ela teve dois filhos, um
marido, do qual se divorciou, confessava-se “meio burrinha”, às vezes, e sua
caligrafia parecia mesmo uma “alma feia”, como dizia. Pode sim ser a deusa da
literatura brasileira, mas é terrena como todos nós.
O nosso nível de intimidade, no
decorrer da leitura, no decorrer da vida dela, chega a tanto que sorrimos
quando ela sorri, chateamo-nos com suas chateações, queremos ajudá-la com seus
problemas e encontrar a felicidade só para entregá-la num embrulho com laço de
fita.
Quando vai chegando o final do
livro, o final da vida de Clarice, o peito aperta sem querer, e pasmem, é saudade
doída. A última carta recebida, um mês antes da sua morte, é um convite para
recomeçar a viver. Seria irônico, mas conhecendo a verdade de Clarice
Lispector, é certo que não. Ela recomeçou sua vida. E agora é borboleta, ou
barata, ou tronco de árvore descendo o rio. Sensível, forte, mãe, menina. Esta
é Clarice, minha nova amiga.
P.S.: Queria-lhe poder ter
escrito “certas cartas”.
Trecho:
“(...) por que não se entregar ao
mundo, mesmo sem compreendê-lo? Individualmente é absurdo procurar a solução.
Ela se encontra misturada aos séculos, a todos os homens, a toda a natureza. E
até o teu maior ídolo em literatura ou em ciência nada mais fez do que
acrescentar cegamente + um dado ao problema.
Outra coisa: o que você, você individualmente, faria de especial
se não houvesse a ruindade do mundo? A ausência dela seria o ideal para todos
os homens, em conjunto: Para um só, não bastaria. Garanto-lhe que sempre
haveria a arte de evasão e as preces e as fugas para Bach.”
(Clarice Lispector, em carta ao
seu futuro marido, Maury Gurgel Valente, sem data. Livro Correspondências - Clarice Lispector, Ed. Rocco, página 23.)
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Manhã
Canção da primavera
Para Erico Verissimo
Primavera
cruza o rio
Cruza o
sonho que tu sonhas.
Na
cidade adormecida
Primavera
vem chegando.
Catavento
enlouqueceu,
Ficou
girando, girando.
Em
torno do catavento
Dancemos
todos em bando.
Dancemos
todos, dancemos,
Amadas,
Mortos, Amigos,
Dancemos
todos até
Não
mais saber-se o motivo...
Até que
as paineiras tenham
Por
sobre os muros florido!
Mario Quintana
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