sábado, 1 de setembro de 2012

O homem do Estado



Dentro dos olhos de um homem do Estado, o que há? Toda essa subordinação a uma máquina que mata, de onde vem? O que fez com que as palavras amor e guerra se aproximassem? O que aconteceu com a memória histórica do povo que aplaude os militares e posam para fotografias ao seu lado? E as crianças, meu Deus, aguardam ansiosas o tiro ser detonado pelo fuzil! O tiro que mata os pássaros e o vento passageiro, infantil. Estão mortos a liberdade, a universidade, os meninos deste país.

O homem caminha automático como se recebesse comandos de um controle remoto; o homem caminha ritmado, sua expressão é dura, sua postura é séria e assusta (ou encanta!); ele é cruel no olhar, pode matar se quiser, pode morrer se quiserem, ele marcha. E o soldadinho de chumbo foi o seu sonho num dia de inocências. E a farda manchada de sangue, sob as botas a causa da mancha, agonizante, foi o seu sonho de juventude; e se conserva.

Roubaram sua infância, venderam-lhe ilusões que nunca tivera. Nos olhos camuflados não há mais brincadeiras nem sono tranquilo. O menino foi embora, banido. Em seu lugar implantaram, como um programa pré-definido, o guardião de uma pátria dissimulada. Ele não pode dormir sossegado, pois tem que proteger, sem ser protegido e amar, sem amor de volta. Sua família se orgulha do morto. O Estado ignora o cadáver obrigatório.

Reprogramaram a máquina humana. No lugar do coração, a obediência fria. No lugar da inconstância da voz, o tom grave de agora em diante. E o olhar paralisado, distante, sem hesitar, sem se distrair, sem riso, sem lágrima, sem afeto, o que vislumbra? No horizonte longínquo dos olhos haverá uma árvore solitária no alto de um morro de relva, com sua sombra generosa e alguém sentado nela? Haverá um pássaro entre nuvens, ou uma bolha que logo vive e se quebra? Haverá libertação e medo e humanidade, ou apenas gaiolas, hinos, coluna ereta, silvos e falso heroísmo? O herói está sendo forjado na argila despercebida. Reprogramaram a máquina humana. Cacem! Prendam! Torturem! Matem! Gozem! Depois aplaudam o horror da vida.

O homem do Estado morrerá feliz. Ele estará satisfeito por possuir um uniforme, um nome. Por toda a vida defendeu sua nação dela mesma. O inimigo sempre esteve dentro de casa: sob sua mira cega o próprio pé. Mas o homem do Estado não sabe do Estado. E está feliz por não saber, feliz e morto. Sorriso nos lábios azuis e endurecidos; no punhal cravado em suas costas, a bandeira do Brasil.

Na minha face escorre sozinha uma lágrima. Ela é sólida de ódio. O homem é um exército. A morte dele um massacre. Não existem lápides para o moço nem para o menino. Não há menção honrosa para o olhar perdido. O que há dentro dos olhos cínicos do país é uma bandeira e uma mentira. Dentro de mim a vontade de parar esse brinquedo que gira.

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