“ – Poesia! Poesia! – murmurou
Bertram.
– Poesia! Por que pronunciar-lhe à virgem
casta o nome santo como um mistério, no lodo escuro da taverna? Por que
lembrá-la a estrela do amor à luz do lampião da crápula? Poesia! Sabeis o que é
a poesia?
– Meio cento de palavras sonoras
e vãs que um pugilo de homens pálidos entende, uma escada de sons e harmonias
que àquelas almas loucas parecem ideias e lhes despertam ilusões como a lua as
sombras... Isto no que se chama os poetas. Agora, no ideal, na mulher, o
ressaibo do último romance, o delírio e a paixão da última heroína de novela, e
o presente incerto e vago de um gozo místico, pelo qual a virgem morre de
volúpia, sem saber por quê...
– Silêncio, Bertram! (...) A poesia, eu t´o
direi também por minha vez, é o voo das aves da manhã no banho morno das nuvens
vermelhas da madrugada, é o cervo que se rola no orvalho da montanha relvosa,
que se esquece da morte de amanhã, da agonia de ontem em seu leito de flores!
– Basta, Claudius: que isso que aí dizes
ninguém o entende: são palavras, palavras e palavras, como o disse Hamlet: e
tudo isso é inanido e vazio como uma caveira seca, mentiroso como os vapores
infectos da terra que o sol no crepúsculo irisa de mil cores, e que se chamam
nuvens, ou essa fada zombadora e nevoenta que se chama a poesia!
– À história! À história! Claudius, não vês
que essa discussão nos faz bocejar de tédio?”
(Álvares de Azevedo, Noite na taverna, L&PM Pocket, 1998,
páginas 59 e 60)
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