segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


“Chegamos ao dique. Temos de segui-lo, para ficarmos o mais longe possível destas casas por demais graciosas. Sentemo-nos, por favor. Que me diz? Aqui temos, creio que concorde com isso, a mais bela das paisagens negativas! Veja, à nossa esquerda, aquele monte de cinza, a que chamam aqui de duna, o dique cinzento à direita, a margem arenosa lívida a nossos pés e, à nossa frente, o mar com a cor esmaecida de espuma, o vasto céu onde se refletem as águas pálidas. Um inverno amorfo, na verdade! Nada mais do que linhas horizontais, nenhum brilho, o espaço é incolor, a vida, morta. Não será a retração universal, o nada sensível a nossos olhos? Nenhum ser humano, sobretudo, nenhum ser humano. O senhor e eu apenas, diante do planeta enfim deserto! O céu vive? Tem razão, caro amigo. Torna-se denso, depois aprofunda-se, abre-se em escadarias de ar, fecha portas de bruma. São as pombas. Não reparou que o céu da Holanda está cheio de milhões de pombas, invisíveis por voarem tão alto, e que batem as asas, sobem e descem num movimento único, enchendo o espaço celeste com ondas espessas de penas acinzentadas, que o vento leva ou traz? As pombas esperam lá em cima, esperam o ano todo. Fazem evoluções acima da terra, olham, desejariam descer. Mas não há nada, além do mar e dos canais, telhados cobertos de insígnias, e nenhuma cabeça onde pousar.”


(Trecho retirado do romance A queda, de Albert Camus)

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