“Meus dias são sempre como uma véspera de partida.
Movimento-me entre as pontas como quem sabe que daqui a pouco já não vai estar
presente. As malas estão prontas, as despedidas foram feitas. Caminhando de um
lado para outro na plataforma da estação, só me resta olhar as coisas lerdo e
torvo, sem nenhuma emoção, nenhuma vontade de ficar. As janelas abrem para
fora, os bancos parecem-se aos bancos e os vasos foram feitos para se colocar
flores em seu oco. As coisas todas se parecem a si próprias. Nada modificará o
estar das coisas no mundo, e a minha partida ontem, hoje ou amanhã, não mudará
coisa alguma. Cada coisa se parece exatamente com cada coisa que ela é. Assim
eu próprio, me parecendo a mim mesmo, de um lado para outro, entre cigarros sem
sabor, jornais sangrentos e a certeza de que o único fato que poderia deter
minha partida seria a tua aceitação deste convite: não queres me ajudar a matá-lo?”
Conto: Eu, tu, ele
Obra: Morangos Mofados
Autor: Caio Fernando Abreu
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