domingo, 2 de novembro de 2014

o amargo

que Os sobreviventes e Terça-feira gorda eram meus contos preferidos do Caio Fernando Abreu, eu já sabia. mas eis que surge Os companheiros e me dá uma rasteira, dizendo, entre outras maravilhas, como um reflexo colorido do próprio conto, assim

“Se bem que, como rugas e perdas, cicatrizes também fossem troféus. Grandes fracassos, tipo Napoleão em Waterloo, deveriam ser condecorados, afinal por que essa discriminação maniqueísta? cobrava o Ator Bufão, vezenquando tomando as rédeas para jogar no ar palavras que, como bufão que era – e dos bons, diga-se a seu favor –, transformavam-se em várias bolas ao mesmo tempo jogadas para o alto. Seria capaz de (des)ordená-las nas mais infinitas sequências combinatórias, tipo duas vermelhas no ar sobre a cabeça uma roxa na mão esquerda uma azul na mão direita e aquela amarela passando por baixo da perna direita ou esquerda, não importa, e no ar também, neste exato momento, aquela verde-musgo. O problema maior do Ator Bufão era que todos os seus talentos não valiam um vintém, visto que nos dias de hoje já não existe muita gente interessada em bizarras combinações no ma-la-ba-ris-mo com bolas coloridas.”

terminei a leitura catando sem pressa ca-da-pa-la-vra para que eu não as perdesse, ou não as deixasse cair, como as bolas. mas a gente sempre deixa – antecipando inconscientemente a vontade de catá-las depois.


ps.: a propósito, todos os contos citados estão no livro Morangos Mofados, livro zunido fino nos tímpanos, o próprio amargo.  

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