“Estou parado em pé no pequeno pátio, a maioria dos
convidados já se retirou, levando junto os copos de bebida. No pequeno pátio
descoberto, a neve noturna caindo sobre mim, contemplo com ternura o chalezinho
fechado (que nem os vizinhos lá do Cody no 1047) – e digo a Buckle, que fuma
maconha: ‘Esta é a casinha do meu passado. Que estranho que um dos frutos que
colhi depois de já adulto e bem-sucedido
tenha sido esta casinha da eternidade nos fundos do meu quintal! Ah, noite
espectral! Ah, neve sagrada! Estes mistérios – meu pai – que faremos nós todos?’
Chego a pensar em fumar aquela maconha para curtir melhor minha casinha – os vizinhos
que moram nela não estão ali de momento, um ‘casal de velhos’ – mas não,
desisto da erva, que aliena a minha alma ‘como já fez com a de Cody’ – a casinha
tem velhos beirais de pão-de-ló, marrons, uma casa de histórias da carochinha,
de infâncias perdidas em algum reino passado.
– Tristonho, volto para os últimos drinques, os últimos convidados da
minha festa. – Estou de sobretudo e sento numa poltrona, taciturno. – O piano,
alguém toca já no encerramento, o derradeiro piano, entre copos vazios.”
“(...) e não fiz a barba e cá estou, na sala de visitas
dela, que se mostra friamente solícita, pareço um Major Hoople mais magro e
mais jovem, que realmente saboreou um gostinho de sucesso no início, mas depois
perdeu e voltou para casa para morar com a mãe e a irmã, mas continua ‘escrevendo’
e bancando o ‘autor’ – naquela ruazinha.”
“Sou também o pretenso libertino do bairro, pronto a trepar
com todas as donas-de-casa da vizinhança, que, no fundo, não querem nada
comigo, com exceção de algumas, mais idosas, que querem se gabar para a minha
mãe...”
(O livro dos sonhos, Jack Kerouac)
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