“Já pensei até em me
matar. Nos últimos anos, quando a solidão me deixava bem esbugalhado e os dias
se repetiam a ponto de eu pensar que entrara sem perceber numa câmara de
torturas, sim, nesses dias pensei em me matar. Só não queria incomodar ninguém
com o estorvo do meu corpo. Eu tinha de descobrir um jeito de acabar comigo
deixando o meu corpo para sempre escondido dos demais. Em noites desses
períodos era comum passar diante do meu corpo na guarda do paiol um vulto
imponente, meio azulado, que ao passar costumava parar um pouco e se inclinar
de leve como para me reverenciar igual à coreografia corriqueira dos chineses,
e eu gostava de imaginar que aquele era o ser que eu seria dali a algum tempo,
um vulto meio bizarro pela madrugada a intimidar sem muito efeito os entes que
ficassem acordados como eu por tantos anos.”
(João Gilberto
Noll, A céu aberto, 1996, Companhia
das Letras)
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