A
cor da ternura é autoficção. A autora Geni Guimarães retorna
à infância no interior de São Paulo para recontar história que é sua e de
muitas outras mulheres. A personagem Geni é uma criança negra que vive com os
pais e os irmãos numa fazenda, onde trabalham. O livro narra sua trajetória: do
ciúme do irmãozinho que está prestes a nascer, passando pela descoberta de sua raça
na ponta do dedo inquisidor, até a vida adulta. Embora seja uma menina criativa
e avoada, um dia tenta tirar a cor negra de sua pele com tijolo triturado, bom
para remover carvão do fundo das panelas. Noutro, véspera de seu primeiro dia
de aula, pergunta à mãe, que lhe trança o cabelo, por que ela deve ir tão
arrumada e Janete pode ir de nariz escorrendo. Porque Janete é branca, a mãe não hesita e responde.
Essa tensão racial
percorre todos os capítulos do livro. A autora equilibra a dureza da constatação
do racismo com a singeleza do olhar de sua protagonista. E essa conciliação, ao
invés de aliviar o verbo, torna tudo ainda mais pesado. Geni escreve a escrita
das pedras. Narra na intenção da trombeta.
A literatura juvenil da
autora é capaz de satisfazer crianças, adolescentes e adultos. A linguagem
direta, exigida por esse nicho de produção literária, tanto facilita a
compreensão dos mais novos, quanto aprofunda o sentido para os mais velhos. Diz
exatamente como devem ser ditas as verdades dolorosas.
Há ternura, no entanto.
E as sutilezas aparecem na forma de engasgo. Geni Guimarães, assim como
Conceição Evaristo, Miriam Alves, assume a postura de escritora afro-brasileira
que decidiu não se manter mais engasgada. A
cor da ternura, mais do que livro, é grito. Engasgo transferido.
A cor da ternura
Geni Guimarães
1989
Ed. FTD
93 páginas
Avaliação: 3,5/5
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