"Perceber que não nos esgotamos nas posições que ocupamos é perceber que existem coisas mais importantes do que essas posições, como se poderia perceber, estando em viagem, a importância que tem para nós qualquer coisa de trivial e muito familiar. É como se precisássemos sair das posições que ocupamos para perceber não a importância dessas posições, mas a importância das coisas para além dessas posições. A vida que assim nos é mostrada é a vida para lá da nossa vida. Que haja vida em Milão enquanto não estamos lá dá-nos uma imagem disso, do tipo de burburinho que existe além de nós e que sobreviverá a nós. É nesse sentido que tomar contato com o fato de que há vida em Milão pode ser uma experiência de humildade. Sair de onde estamos faz-nos perceber que não nos esgotamos na posição que ocupamos, faz-nos perceber que existe vida do outro lado. Mas, se assim é, o que aprendemos sobre nós em lugares estranhos é acerca de nossa vida para além daquilo que nos é familiar. Talvez isso seja necessariamente assim."
(Ana Almeida, Saudades de casa,
ensaio publicado na Revista Serrote nº 17, julho de 2014)