quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Putas tristes e uma tarde chuvosa




   Estava com sede de muitas coisas. O teatro no sábado (Deus ou o Diabo, do grupo mineiro Tudo Era uma Vez) denunciou-me o quanto eu carecia de literatura, poesia e afeto. O vestibular arrancou-me tudo isso, e me impôs a geometria, as fórmulas indecoráveis de Física (que eu continuo sem entender) e decorebas que certamente irei esquecer daqui a algum tempo. Concordo que tudo isso tenha a sua relevância, mas prefiro os decassílabos organizados em dois quartetos e dois tercetos. Mesmo que isso não me faça passar no vestibular.

                Tudo que li durante o ano foram reportagens sobre a nojenta corrupção brasileira, críticas de filmes, artigos políticos, matérias sobre meio ambiente e usinas nucleares. Iniciei alguns livros, mas os didáticos não me deixaram terminá-los. Os contos do Bukowski foram escapismos rápidos e eficientes, mas até eles eu deixei de lado. A vida prática é um estupro.

                O meu maior medo é de que todo esse tempo adiando livros e podando prazeres tenha sido em vão, pois se for o caso, a poda continuará.

                Já estou na reta final – o vestibular é na semana que vem – e não estou tão tenso quanto achei que estaria. Talvez porque aceitei que matemática não é pra mim e que eu não vou conseguir mudar isso em uma semana, posso tentar, mas, merda, não vou. Então, permiti-me relaxar um pouco.

                Ontem, motivado por pingos de chuva, li um livro do começo ao fim. Livro pequeno, mas interessantíssimo: Memória de minhas putas tristes, do Gabriel Garcia Márquez. Um clássico. Uma bela história sobre o quanto pode ser renovador envelhecer. Também sobre o amor por uma bela adormecida; sobre putas e sexo triste; sobre um cronista de noventa anos “feio, tímido e anacrônico”, mas que “ainda está no jogo”. Recomendo.



                “Nunca fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador, ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que conseguir nesta memória do meu grande amor.”

(Memória de minhas putas tristes, Gabriel Garcia Márquez, página 11.)



                Com tudo isso, enchi-me, enfim, de literariedade e de abstrações que preenchem muito mais do que concretudes. A tarde e a noite de ontem compensaram o ano inteiro.

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