Estava com sede
de muitas coisas. O teatro no sábado (Deus
ou o Diabo, do grupo mineiro Tudo Era uma Vez) denunciou-me o quanto eu
carecia de literatura, poesia e afeto. O vestibular arrancou-me tudo isso, e me
impôs a geometria, as fórmulas indecoráveis de Física (que eu continuo sem
entender) e decorebas que certamente irei esquecer daqui a algum tempo.
Concordo que tudo isso tenha a sua relevância, mas prefiro os decassílabos
organizados em dois quartetos e dois tercetos. Mesmo que isso não me faça
passar no vestibular.
Tudo
que li durante o ano foram reportagens sobre a nojenta corrupção brasileira,
críticas de filmes, artigos políticos, matérias sobre meio ambiente e usinas
nucleares. Iniciei alguns livros, mas os didáticos não me deixaram terminá-los.
Os contos do Bukowski foram escapismos rápidos e eficientes, mas até eles eu
deixei de lado. A vida prática é um estupro.
O
meu maior medo é de que todo esse tempo adiando livros e podando prazeres tenha
sido em vão, pois se for o caso, a poda continuará.
Já
estou na reta final – o vestibular é na semana que vem – e não estou tão tenso
quanto achei que estaria. Talvez porque aceitei que matemática não é pra mim e
que eu não vou conseguir mudar isso em uma semana, posso tentar, mas, merda,
não vou. Então, permiti-me relaxar um pouco.
Ontem,
motivado por pingos de chuva, li um livro do começo ao fim. Livro pequeno, mas
interessantíssimo: Memória de minhas
putas tristes, do Gabriel Garcia Márquez. Um clássico. Uma bela história
sobre o quanto pode ser renovador envelhecer. Também sobre o amor por uma bela
adormecida; sobre putas e sexo triste; sobre um cronista de noventa anos “feio,
tímido e anacrônico”, mas que “ainda está no jogo”. Recomendo.
“Nunca
fiz nada diferente de escrever, mas não tenho vocação nem virtude de narrador,
ignoro por completo as leis da composição dramática, e se embarquei nessa
missão é porque confio na luz do muito que li pela vida afora. Dito às claras e
às secas, sou da raça sem méritos nem brilho, que não teria nada a legar aos
seus sobreviventes se não fossem os fatos que me proponho a narrar do jeito que
conseguir nesta memória do meu grande amor.”
(Memória de minhas putas tristes, Gabriel Garcia Márquez, página
11.)
Com
tudo isso, enchi-me, enfim, de literariedade e de abstrações que preenchem
muito mais do que concretudes. A tarde e a noite de ontem compensaram o ano
inteiro.
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