terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Abismo serpentina



E tudo que ficará para a posteridade do carnaval de 2012 (o último?) será uma foto, só agora revelada, do carnaval de 2009 – o último. 

Reconheço no moço de gravata um eu alegre, menos preocupado, menos adulto, menos responsável. Um eu de roupa de banho, sem vergonha, sem pudor, como essa senhora no canto direito, carnavalizada. Essa felicidade dos pulos, dos confetes, dos amigos fazendo caretas não é a felicidade de hoje. São diferentes.  Esta em que me encontro é a felicidade serena, mensurada, contida. No carnaval, nesta fotografia, só vale o contrário. Mas sem querer, sem acompanhamento consciente, a euforia passa, a alegria passa, a gravata torta e a embriaguez também se perdem. E o que sobra? 

Deste lado da fronteira do tempo, a felicidade se aquieta, é mansa, calminha como uma certeza, e fica, permanece até segunda ordem. 

Felicidade real, se é que ela existe, é prima próxima, quase irmã da serenidade. O resto é desvario. E o carnaval é feito pelos desvairados. Por isso, neste ano, não me sintonizo com a data. Não estou afim da extravagância de máscaras coloridas, de paixões de poucos dias, de amigos de poucas músicas, efemeridade. Quero aproveitar os meus últimos dias, antes da mudança definitiva, prolongando abraços, aproveitando o fim da tarde para carícias sem pressa, para saciar a saudade antecipada da família e despedir-me dos lugares que certamente levarei comigo. Lugares os mais calmos possíveis, como tudo que admiro. Sem serpentinas no lugar dos pássaros. Sem marchinhas no lugar do silêncio. Sem desconhecidos no lugar do vento conhecido.

E o eu longínquo desta fotografia, que fique por lá mesmo, contente, dançando ao som de alguma música fácil, ao lado de pessoas fáceis, despreocupadas com o fim da festa e o começo da ressaca. Que esse garoto quase sem calças não desperte e cante como se a euforia bastasse. E, emoldurado por um porta-retrato, embaçado pela memória fraca, jamais alinhe a sua gravata. Deixem que o eu ameno de hoje faça isso.   

2 comentários:

  1. Ai, ai, o estranho foi o aperto que senti lendo esse texto. e os risos, olhando a foto, o desalinho, se faz presente e necessário as vezes. beijos e boa sorte.

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  2. Ps: o "eu" desalinhado, vai voltar quando achar que precisa dar uma colher de chá à gravata ajeitadinha do futuro advogado.

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