quinta-feira, 3 de maio de 2012

Leitura desde sempre


             “A delícia dos livros está em que eles, repentinamente, nos abrem os olhos, e vemos então coisas que nunca havíamos visto”, Rubem Alves. E então, assim estava eu: deitado em um espaço de leitura público, abrindo os meus olhos, maravilhando-me com um mundo que só me pertenceria por alguns instantes, enquanto o livro estivesse aberto. Após o fechar do livro, esse mundo se recolheria também, para esperar.

                Passado algum tempo ali, no silêncio que a leitura implica, a moça do espaço de leitura veio até mim: “Senhor, um bando de crianças entrarão aqui agora, não se assuste.” E pelo barulho que elas faziam do lado de fora, pensei mesmo em abandonar as minhas páginas e ir embora. Antes de me decidir, porém, elas entraram e, diminuindo o tom, foram direto para a seção de livros infantis. Sentaram-se em roda. Começaram a folhear os gibis. E, aparentemente, maravilharam-se também.

                Elas se olhavam com surpresa e graça, mostravam-nas umas às outras as ilustrações, o colorido dos livros. Identificavam seus super-heróis, os personagens favoritos. As crianças ainda não liam as palavras, ainda não tinham sido alfabetizadas. Mas quem precisa das letras, com tanta cor, tanta gravura? A mente infantil é capaz de imaginar histórias inteiras através do que elas veem desenhado. Talvez histórias melhores, mais criativas, que não passaram pelo crivo de um adulto sensato.

                Aqueles meninos e meninas estavam encantados. E eu me via sentado em roda com eles, ainda miúdo, querendo ler sem conseguir, mas lendo mesmo assim, explorando mundos novos, desvendando histórias com final feliz. Lembrei-me dos meus livros de infância, da minha primeira palavra lida e da luz que o mundo ganhou a partir dela. Retrospectivamente, me dei conta da centelha de vida que havia nascido em mim naqueles tempos de começar a ler e sorrir. E que estava nascendo também, e logo acendendo a chama, naquelas crianças bem ali.

                A professora chamou a meninada para contar-lhes uma história. Historinha sobre bruxas. As crianças se sentaram ao redor dela, ansiosas pelas palavras. Com ouvidos e olhos bem abertos, elas reagiam a cada página colorida passada, a cada reviravolta da história cativante. Nesse momento eu já havia largado o meu livro sério e socialmente relevante para também atentar-me às bruxas e aos fantasmas. As crianças estavam imersas naquele mundo e não havia, neste, nada mais bonito.

                Ao falar da “vitória da bruxa num concurso de beleza”, um garotinho se surpreendeu com o fato da sua coleguinha Vitória estar dentro do livro. Ele se questionava e olhava para a tal Vitória e olhava para o livro, sem entender nada. E eu, que acompanhava o embaraço do menino, deliciava-me com o mistério da palavra.

                Terminada a historinha, os pequenos voltaram correndo, sem hesitar, para a pilha de livros que tinham deixado por alguns instantes. Eles não faziam ideia do tamanho da sabedoria que estavam adquirindo ao folhear aquelas páginas. Eles não faziam ideia do quanto esse momento bom faz falta na vida de outros pequenos que não têm a oportunidade de desfrutá-lo, porque a vida deles exige mais e tanto. Eles não faziam ideia dos adultos que seriam e do quanto aquele som de páginas folheadas mudaria para sempre as suas vidas.

                A vontade de ficar, manifestada quando a professora lhes chamou para irem embora, é sinal de que eles voltarão, e para sempre voltarão, ao reencontro da delícia dos livros, coloridos ou não.

Nenhum comentário:

Postar um comentário