“A delícia dos livros está em que
eles, repentinamente, nos abrem os olhos, e vemos então coisas que nunca
havíamos visto”, Rubem Alves. E então, assim estava eu: deitado em um espaço de
leitura público, abrindo os meus olhos, maravilhando-me com um mundo que só me
pertenceria por alguns instantes, enquanto o livro estivesse aberto. Após o
fechar do livro, esse mundo se recolheria também, para esperar.
Passado
algum tempo ali, no silêncio que a leitura implica, a moça do espaço de leitura
veio até mim: “Senhor, um bando de crianças entrarão aqui agora, não se
assuste.” E pelo barulho que elas faziam do lado de fora, pensei mesmo em
abandonar as minhas páginas e ir embora. Antes de me decidir, porém, elas
entraram e, diminuindo o tom, foram direto para a seção de livros infantis.
Sentaram-se em roda. Começaram a folhear os gibis. E, aparentemente, maravilharam-se
também.
Elas
se olhavam com surpresa e graça, mostravam-nas umas às outras as ilustrações, o
colorido dos livros. Identificavam seus super-heróis, os personagens favoritos.
As crianças ainda não liam as palavras, ainda não tinham sido alfabetizadas.
Mas quem precisa das letras, com tanta cor, tanta gravura? A mente infantil é
capaz de imaginar histórias inteiras através do que elas veem desenhado. Talvez
histórias melhores, mais criativas, que não passaram pelo crivo de um adulto
sensato.
Aqueles
meninos e meninas estavam encantados. E eu me via sentado em roda com eles,
ainda miúdo, querendo ler sem conseguir, mas lendo mesmo assim, explorando
mundos novos, desvendando histórias com final feliz. Lembrei-me dos meus livros
de infância, da minha primeira palavra lida e da luz que o mundo ganhou a
partir dela. Retrospectivamente, me dei conta da centelha de vida que havia
nascido em mim naqueles tempos de começar a ler e sorrir. E que estava nascendo
também, e logo acendendo a chama, naquelas crianças bem ali.
A
professora chamou a meninada para contar-lhes uma história. Historinha sobre
bruxas. As crianças se sentaram ao redor dela, ansiosas pelas palavras. Com
ouvidos e olhos bem abertos, elas reagiam a cada página colorida passada, a
cada reviravolta da história cativante. Nesse momento eu já havia largado o meu
livro sério e socialmente relevante para também atentar-me às bruxas e aos fantasmas.
As crianças estavam imersas naquele mundo e não havia, neste, nada mais bonito.
Ao
falar da “vitória da bruxa num concurso de beleza”, um garotinho se surpreendeu
com o fato da sua coleguinha Vitória estar dentro do livro. Ele se questionava
e olhava para a tal Vitória e olhava para o livro, sem entender nada. E eu, que
acompanhava o embaraço do menino, deliciava-me com o mistério da palavra.
Terminada
a historinha, os pequenos voltaram correndo, sem hesitar, para a pilha de
livros que tinham deixado por alguns instantes. Eles não faziam ideia do
tamanho da sabedoria que estavam adquirindo ao folhear aquelas páginas. Eles
não faziam ideia do quanto esse momento bom faz falta na vida de outros
pequenos que não têm a oportunidade de desfrutá-lo, porque a vida deles exige
mais e tanto. Eles não faziam ideia dos adultos que seriam e do quanto aquele
som de páginas folheadas mudaria para sempre as suas vidas.
A
vontade de ficar, manifestada quando a professora lhes chamou para irem embora,
é sinal de que eles voltarão, e para sempre voltarão, ao reencontro da delícia
dos livros, coloridos ou não.
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