Mulher com uma vela
“Encontrei
numa livraria de porão um cartão que me fascinou. É noite. Uma jovem segura uma
vela sobre um fundo negro. A chama da vela está na horizontal, o que indica que
há uma brisa soprando. A moça protege a chama com a sua mão. A luz da vela se
filtra através de sua carne translúcida. De onde estará vindo o vento? A tela
não explica. Mas a imaginação sugere. Para se ver bem não basta ter bons olhos.
É preciso ter uma imaginação sensível. Ela abriu a porta de sua casa para
alguém que bateu, o que explica a brisa. Quem poderia estar batendo à sua porta
a tal hora da noite? Não se trata de um estranho porque ela está discretamente
sorrindo, sem olhar diretamente nos olhos desse estranho que o pintor não
pintou. É duvidoso que esse alguém invisível fosse o seu pai. O seu sorriso não
é um sorriso que se oferece a um pai. Há uma pitada de pudor no seu rosto,
ligeiramente inclinado... Seria o seu amado? Haviam marcado um encontro, ao
abrigo dos olhos curiosos? Com certeza! Quem seria o seu amado? Provavelmente o
pintor. O artista imortalizou na sua tela aquele momento de felicidade amorosa.
O que é belo deve ser imortal. A prova de que ele imortalizou aquele momento
está no fato de que hoje, séculos depois da morte dos dois, aquela cena
continua a nos encantar... A arte não suporta o efêmero. Ela é uma luta contra
a morte.”
(Ostra feliz não faz pérola, Rubem Alves, Ed. Planeta, página 90)
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