Este documentário utiliza as
cartas trocadas entre o Henfil, cartunista, e sua mãe, D. Maria, para falar
sobre o Brasil, sobre a ditadura e sobre a resistência. Henfil era artista,
militante e filho. Ele “tinha pressa em relação ao Brasil”. Ele queria mudar o
mundo. Este é um documentário sobre biscoitos duros.
São Paulo, 26 de dezembro de 1979
Mãe,
Aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato
colocado na janela. Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que eu fui muito bom. Eu
fui solidário com todos os meus irmãos Betinhos; fiz greve com todos os Lulas;
quebrei Belo Horizonte como todos os peões; voltei para o país que me expulsou
como todos os Juliões; dei murro em ponta de faca como todos os Marighelas;
cantei as prostitutas, as Mulheres de Atenas; joguei pedras na Geni como todos
os Chicos Buarques; aspirei cola como todos os pixotes. Fui negro, homossexual,
fui mulher, fui Herzóg, Santo Dias e Lida Monteiro. Fui, então, muito bom este
ano, mãe. Aqui está minha carta-sapato. Vou fechar os olhos, vou dormir
depressa, esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela, me façam
chorar de alegria. Que eu quero viver.
A benção,
Henfil.
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