sábado, 7 de setembro de 2013

Diário de silêncios

Há exatos quatro meses, passei um tempo da minha vida acampado na beira de uma rodovia. Foram nove dias. Estava com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em um acampamento de resistência. O objetivo dos acampados é conseguir a posse de um latifúndio improdutivo, que fica logo atrás de onde eles estão, a Fazenda Fortaleza de Sant´Anna. Fiquei apenas nove dias, mas as famílias que ali residem estão há mais de dois anos. Essa é a vida real.  De todo dia. Essa experiência fez parte do XVI Estágio Interdisciplinar de Vivência da Zona da Mata Mineira, o EIV.

Durante meu tempo de vivência fiz um diário, no qual relatei sentimentos, narrei silêncios, descrevi personagens. Personagens reais. Durante os quatro meses que se passaram pós-EIV, sempre me foi muito duro reler minhas anotações, lembrar-me de tudo.  As vozes, os rostos, os cheiros, as cores. Me lembro de tudo com muita verdade. E penso em voltar, em reencontrar aquela gente, que também sou eu. Reencontrar-me descalço, nu por inteiro, aprendendo com o Movimento a ter desconfiança do mundo e fé na força do povo.

Nunca tinha conseguido reler todo o diário, bastava um parágrafo e a dor voltava, esmagando o meu dia, a minha madrugada. Fechava o diário. Largava de lado.

Mas uma experiência assim não serve para ficar guardada na estante. É preciso reabrir o caderninho e contá-la de novo. Contar para quem quiser ouvir, inclusive para mim, que há gente morando na beira da estrada, porque não tem terra e casa. Sabe casa com parede e tapete na porta? É preciso contar ao mundo que o sistema segrega e o capitalismo mata. Mas é preciso contar também que há fé e há resistência. Que existem pessoas com brilho nos olhos, ainda que cansados. São dois anos de acampamento. Três de movimento. É preciso contar ao mundo a história do povo. E é por isso que, corajoso, resolvi reabrir o diário e reviver tudo aquilo, por mais que as lembranças ainda não tenham se assentado. EIV é digestão constante.

O acampamento se chama Dênis Gonçalves e fica na Zona da Mata Mineira, próximo às cidades de Goianá e Juiz de Fora. É foco de resistência do MST, lugar onde a bandeira vermelha trepida e os sonhos existem. Resistem.

Há pouco tempo, saiu a emissão de posse para o Dênis. Isso quer dizer que os trabalhadores deixarão o acampamento para, enfim, entrarem legalmente na Fazenda e constituírem o maior assentamento do estado de Minas Gerais. Já é hora de levantar paredes, colocar tapete na porta, plantar, colher, trabalhar na terra e do chão ver nascer os frutos.

É tempo de florir flores vermelhas,
reabrir o diário,
contar uma história.
Ou várias. 






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