domingo, 1 de setembro de 2013

Recordações da Casa dos Mortos


“Em Tobolsk vi, uma vez, um detento chumbado na muralha por uma corrente de menos de dois metros. Estava acorrentado por causa dum crime nefando cometido já depois de sua vinda para a Sibéria. Alguns desses detentos há que ficam assim durante cinco, dez anos. Trata-se quase sempre de pena imposta a latrocidas. Além desse, vi um outro que parecia de boa proveniência social. Fora, antes, funcionário não sei de qual repartição, seu modo de falar era cortês e resignado, e o seu sorriso untuoso. Mostrou-nos suas cadeias, explicou-nos como escolhia o jeito melhor para dormir no seu catre. Devia ter sido uma boa ave de rapina! Por costume aturam aquilo com paciência, parecendo, por fim, indiferentes. No fundo, porém, pensam na vez de se verem livres das cadeias. E para quê? Ora, para quê! Para, deixando aquela masmorra de abóbada baixa e de muralhas espessas, irem para um presídio com um pátio onde possam andar... Só, e nada mais. Liberdade, rua, estrada? Nunca mais! Cada um deles sabe muito bem que os que são acorrentados à bossagem ficarão perpetuamente no presídio, até a morte, com algemas nos pulsos e nos tornozelos. Sabe disso e, todavia, sua mais bela esperança, seu mais ardente desejo é que o tempo de viver chumbado às lages passe logo. Como suportaria estar assim, acorrentado durante cinco ou mais anos, se não embalasse essa esperança? Morreria ou endoideceria. Sem tal crença, como resistir?”

(Dostoiévski, Recordações da Casa dos Mortos, 1861)

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