Brenda,
o verbo sorriso caminha comigo pelos dias. Olho para o mundo e o tom é amarelo.
Mesmo melancólica, sorrio alaranjado. Deve ser o signo, ou o meu cabelo.
Resolvi manter o cabelo alto: lisa não é a minha textura. Talvez haja texturas aqui dentro. Fui pintada por
muitos artistas, minha amiga, inclusive, artistas crianças. Crianças são umas
sábias, não são? Ao invés de ver o mundo em um só tom, elas veem arco-íris em
toda parte; e isso é sabedoria: saber-se que só se sabe nos plurais.
Fernanda,
sua alegria me humilha. Não consigo ser tão feliz assim. Mesmo a minha
felicidade sangra. Olho as pessoas na rua: mesmo rodeadas por outras pessoas,
ou por compras, ou por crianças, sua expressão física é de dor: as sobrancelhas
se juntam em direção ao nariz, e elas suam, e elas desanimam. Suor é lágrima
despudorada. Não vejo nenhum prêmio no suor. Tentei academia, mas chorei
demais, suada. Tentei olhar o dia, mas o calor do norte de Minas racha.
Rachaduras são as veias e artérias do meu peito: ao invés de bater, grito.
Brenda,
entendo a sua agonia. Não pense que promovo a ditadura da alegria. Ser alegre e
colorida também me aprisiona: somos feitas de fogo e cinza. Perceba, o mundo
não se fecha em categorias: somos duplas, contraditórias, isso, de enxergar o
mundo quadrado deste jeito, faz parte dessa síndrome de adultice aguda com a
qual nos deparamos: crescer dói sobremaneira. Crianças também sofrem. Todo
mundo sangra. Mas há cor no vermelho: é preciso enxergar a beleza da
contradição das coisas.
Seu
discurso me encanta, Fernanda. Qual o significado do seu nome mesmo? Deve ser
algo de anjo, ou de muito belo. Você sempre plantou flores por onde esteve, e
isso não é culpa sua, nem entendo como ditadura: deve ser coisa de signo, ou de
cabelo. A gente escolhe como vai ser até certo limite. Da cerca para lá, acho
que é o universo. Meus cabelos são lisos, gosto de me perder pelas madrugadas e
de escrever conforme consigo. Escrever também me deixa suada. Mas não desisto:
mais uma vez porque sinto, cada vez com maior firmeza, que algo além de mim me
governa.
Sinto
saudade da nuvem onde você se esconde, Brenda. Você é muito nebulosa. A neblina
é sua casa. Mesmo no calor do norte de Minas, você é chuva abafada.
Fernanda,
acho que podemos resumir nossa conversa: algo como dia e noite, sol e lua,
preto e branco, alegria e tristeza, que não se anulam, mas se complementam.
Pois até a nuvem desaba, até a mais escura nuvem, quando cai, faz nascer a
planta. E a cor se pinta.
(Texto publicado
na coluna O salto, Jornal A Semana –
12/09/2014. A ideia foi testar a síntese, refletindo a boa influência dos
quadrinhos que estou tendo – Odyr, Laerte. O melhor disso tudo é perceber que
as artes se encontram todas no mesmo ponto, ou se irradiam dele, ou se misturam,
ou são todas uma coisa só. Coisa é
uma boa palavra de definição. Restringir-se ao seu nicho de produção artística
pode ser chato, cansativo ou vazio demais. As artes plásticas dizem tanto sobre
a literatura quando esta diz sobre a música. Ao final de tudo, somos apenas gente
querendo dizer. E esse apenas já é
tanto. Permanecer calado não significa
não tentar.)
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