Você se pergunta o que se passará com a poesia no ano 2000.
É uma pergunta embaraçosa. Se esta pergunta me surgisse num beco escuro, de
improviso, eu levaria um susto que Deus nosso Senhor me acuda.
Porque, que sei eu do ano 2000? E sobretudo, que sei da
poesia?
Do que estou certo é de que não se celebrará o funeral da
poesia nesse próximo século.
Em todas as épocas a poesia foi dada como morta, ela porém
se tem mostrado centrífuga e sempiterna, se tem mostrado vitalícia, ressuscita
com grande intensidade, parece ser eterna. Com Dante pareceu que terminava.
Porém pouco depois Jorge Manrique lançava uma centelha, espécie de sputnik, que
prosseguiu cintilando nas trevas. E logo Victor Hugo parecia arrasar, não ficava
nada para os demais. Então o senhor Charles Baudelaire apresentou-se
corretamente trajado de dândi, seguido do jovem Arthur Rimbaud, trajado de
vagabundo, e a poesia começou de novo. Depois de Walt Whitman, que esperança!,
já ficaram plantadas todas as folhas de relva, não se podia pisar no relvado.
Não obstante, veio Maiakovski e a poesia parecia uma casa de máquinas: deram-se
assobios, disparos, suspiros e soluços, ruído de trens e de carros blindados. E
assim prossegue a história.
É claro que os inimigos da poesia sempre pretenderam
assestar-lhe uma pedrada num olho ou um golpe de garrote na nuca. Fizeram-no de
diversos modos, como marechais individuais, inimigos da luz, ou regimentos
burocráticos que marcharam com passo de ganso contra os poetas. Conseguiram a
desesperação de alguns, a decepção de outros, as tristes retificações dos
menos. Mas a poesia continuou a brotar
como uma fonte ou a manar como uma ferida, ou a construir com o braço partido,
ou a cantar no deserto, ou a levantar-se como uma árvore, ou a transbordar como
um rio, ou a estrelar-se como a noite nas mesetas da Bolívia.
A poesia acompanhou os agonizantes e estancou as dores,
conduziu às vitórias, acompanhou os solitários, foi queimante como o fogo, leve
e fresca como a neve, teve mãos, dedos e punhos, teve brotos como a primavera,
teve olhos como a cidade de Granada, foi mais veloz do que os projéteis
dirigidos, foi mais forte do que as fortalezas: deitou raízes no coração do
homem.
Não é provável que, começando o ano 2000, os poetas encabecem
uma sublevação mundial para que se reparta a poesia. A poesia se repartirá como
consequência do progresso humano, do desenvolvimento e do acesso dos povos ao
livro e à cultura. Não é provável que os poetas cheguem a opinar ou a governar,
embora alguns deles o estejam fazendo, alguns muito mal e outros menos mal. Mas
os poetas serão sempre bons conselheiros e cuidado com deixar de ouvi-los.
Muitas vezes os governantes têm comunicações públicas com seus povos. A poesia
tem comunicação secreta com os sofrimentos do homem. Há que ouvir os poetas. É
uma lição da história.
É provável que no ano 2000 o poeta mais novidadeiro, mais na
moda em toda parte, seja um poeta grego que agora ninguém lê e que se chamou
Homero.
Eu estou de acordo e com este objetivo vou começar a lê-lo
novamente. Vou procurar sua influência, brande e heroica, suas maldições e
profecias, sua mitologia de mármore e seus bordões de cego.
Preparando o novo século, tratarei de escrever à maneira de
Homero. Não me ficará mal um estilo tão fabuloso e tão encharcado do mar
ilustre.
Logo sairei com algumas bandeiras de Ulisses, rei de Ítaca,
pelas ruas. E como os gregos já terão
saído de seus presídios, acompanhar-me-ão também para dar as normas do novo
estilo do século XXI.
(texto retirado da obra
Para nascer nasci, de Pablo Neruda,
organizada postumamente por Matilde Neruda e Miguel Otero Silva, 1977)
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