Foto: Ruprich-Robert, Gabriel (collection)
Crédito: Ministère de la Culture (France),
Médiathèque de l'architecture et du patrimoine, Diffusion RMN-GP
“‘Adoro o mar e as planícies...
mas não ligo para montanhas nem florestas... elas me esmagam, me sufocam.’ Na
Inglaterra, encontrou horrendos precipícios abertos para o ‘barulho infernal do
mar’, com pedras que se arrastavam por baixo e lá tinham caído ‘em eras
ignotas, só se mantendo em equilíbrio por alguma inexplicável causa’. Houve
também uma grande fenda, o Enfer du Plogoff, pela qual ela resolveu descer,
apesar das misteriosas advertências do guia. Tomada a decisão, baixaram-na por
uma corda presa num cinturão, no qual foi preciso fazer mais furos, pois sua
cintura ‘não passava na época de 43 centímetros’. Já estava escuro e o mar
bramia e havia um rumor confuso e contínuo, como se de canhões e de açoites e
de gemidos dos réprobos. Por fim ela tocou o chão com os pés, na ponta de uma
pequena pedra num turbilhão de água, e, amedrontada, olhou ao redor. Viu de
súbito que era observada por dois olhos enormes; um pouco adiante, viu outro
par de olhos. ‘Não via o corpo desses seres... e cheguei a pensar que já perdia
a razão.’ Deu então um puxão com força na corda, sendo içada lentamente; ‘os
olhos também subiam... e, enquanto eu me levantava no ar, por toda parte não
via senão olhos – olhos que esticavam longos sensores para me alcançar... “São
os olhos dos afogados”’, disse-lhe o guia, benzendo-se. ‘Que não eram olhos de
afogados eu bem sabia... mas foi só quando cheguei ao hotel que ouvi falar
sobre o polvo.’”
(Virginia Woolf, As memórias de Sarah Bernhardt, In: O valor do riso e outros ensaios.
Tradução: Leonardo
Fróes. Cosac Naify, 2014)