sábado, 16 de dezembro de 2017

Enfer du Plogoff

Foto: Ruprich-Robert, Gabriel (collection)
Crédito: Ministère de la Culture (France), 
Médiathèque de l'architecture et du patrimoine, Diffusion RMN-GP



“‘Adoro o mar e as planícies... mas não ligo para montanhas nem florestas... elas me esmagam, me sufocam.’ Na Inglaterra, encontrou horrendos precipícios abertos para o ‘barulho infernal do mar’, com pedras que se arrastavam por baixo e lá tinham caído ‘em eras ignotas, só se mantendo em equilíbrio por alguma inexplicável causa’. Houve também uma grande fenda, o Enfer du Plogoff, pela qual ela resolveu descer, apesar das misteriosas advertências do guia. Tomada a decisão, baixaram-na por uma corda presa num cinturão, no qual foi preciso fazer mais furos, pois sua cintura ‘não passava na época de 43 centímetros’. Já estava escuro e o mar bramia e havia um rumor confuso e contínuo, como se de canhões e de açoites e de gemidos dos réprobos. Por fim ela tocou o chão com os pés, na ponta de uma pequena pedra num turbilhão de água, e, amedrontada, olhou ao redor. Viu de súbito que era observada por dois olhos enormes; um pouco adiante, viu outro par de olhos. ‘Não via o corpo desses seres... e cheguei a pensar que já perdia a razão.’ Deu então um puxão com força na corda, sendo içada lentamente; ‘os olhos também subiam... e, enquanto eu me levantava no ar, por toda parte não via senão olhos – olhos que esticavam longos sensores para me alcançar... “São os olhos dos afogados”’, disse-lhe o guia, benzendo-se. ‘Que não eram olhos de afogados eu bem sabia... mas foi só quando cheguei ao hotel que ouvi falar sobre o polvo.’”



(Virginia Woolf, As memórias de Sarah Bernhardt, In: O valor do riso e outros ensaios.
Tradução: Leonardo Fróes. Cosac Naify, 2014) 

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