O portfólio do artista aqui.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Uma música para 2011
Pierrot - Los Hermanos
A minha música de 2011 é de 1999, mas releve, é
incrivelmente boa e é Los Hermanos. Lançada no primeiro CD da banda, não foi
single, não foi executada nas rádios até dizer chega como Anna Júlia, mas é a
mais pedida nos shows. Ouça e você vai entender o porquê. É para cantar e pular
e enlouquecer. E não é música chiclete que vicia e passa rapidamente, eu estou
aqui para comprovar isso. Desde o começo do ano a ouço e não canso. Los
Hermanos tem esse efeito eterno sobre mim.
O
que justifica a escolha para este ano foi o show do cover dos Hermanos (fazer o
quê, eles estão separados) que eu fui em abril. Fantástico, apesar de ser o
genérico. Fantástico, repito. Desde o momento em que os músicos tocaram a
primeira música, a platéia já estava pedindo o Pierrot e foi assim até que eles
realizaram o desejo, já no final. Foi assim também no show da Fundição
Progresso da banda verdadeira, na última turnê. A galera sortuda que assistiu
levou faixas e gritou incessantemente: “Pierrot! Pierrot! Pierrot!”. E eles a deixaram
por último e fizeram bonito, de novo. Um gran
finale para um show memorável. E o foi também para mim, mesmo sendo o cover.
A emoção de cantar junto, em êxtase, sobre o choro do palhaço triste foi uma das
melhores coisas do ano, sem dúvida.
Destaque
para a letra doce do Marcelo Camelo e para o arranjo pesado: contradição mais
do que coerente quando se trata da dor de amor. E merece ainda maior destaque o
“Laiá Laiá Laiá” rouco, sofrido e inconfundível do Rodrigo Amarante no fundo.
É
música de fechar os olhos e cantar junto da maneira mais ensandecida que puder,
de preferência longe dos outros. Música com efeito alucinógeno – é droga
saudável. Música para nunca mais parar
de ouvir.
No
ano que vem acontecerá o show do Los Hermanos original e vou poder ouvir a voz
arrastada do Amarante de perto, ao vivo. Portanto, não estranhe se o Pierrot
aparecer por aqui de novo, como a música de 2012. Até lá!
A
letra:
O
pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina
E a sua sina chorar a ilusão em vão, em vão
E a colombina só quer um amor
Que não encontra num braço qualquer
Essa menina não quer mais saber de mal-me-quer
Só do pierrot, pierrot
Pierrot, pierrot, pierrot, pierrot...
O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina
E na esquina se mata a beber pra esquecer, pra esquecer
E o pierrot só queria amar
E dar um basta a esta dor já sem fim
Mas colombina trocou seu amor por arlequim
E o pierrot, chora!
E o pierrot, chora!
E o pierrot, chora!
Pierrot...
E a sua sina chorar a ilusão em vão, em vão
E a colombina só quer um amor
Que não encontra num braço qualquer
Essa menina não quer mais saber de mal-me-quer
Só do pierrot, pierrot
Pierrot, pierrot, pierrot, pierrot...
O pierrot apaixonado chora pelo amor da colombina
E na esquina se mata a beber pra esquecer, pra esquecer
E o pierrot só queria amar
E dar um basta a esta dor já sem fim
Mas colombina trocou seu amor por arlequim
E o pierrot, chora!
E o pierrot, chora!
E o pierrot, chora!
domingo, 25 de dezembro de 2011
O que foi o meu 2011
Sempre
gostei de retrospectivas. Na verdade, gosto mesmo é de lembranças, de saudade.
E quanto a isso, nós somos problemáticos porque só damos o devido valor ao
presente depois que ele passa, e só nos resta recordar.
2011
foi um ano morno para mim, mas decisivo. Terminei o ensino médio e agora a vida
está por conta minha, sou responsável pelo chão em que pisarei daqui pra
frente. Essa perspectiva (ou a falta dela) me fez ficar deitado na minha cama,
estático, após o fim de tudo, com medo de me levantar, abrir a porta do quarto
e encarar a vida, olho no olho.
Medo
passageiro. Agora a porta do quarto está aberta. Quero saber o que virá. Quero
fazer o que virá.
Mas
este post é retrospectivo e não vou ficar aqui especulando o meu futuro, porque
não adianta. Então, ao que interessa...
O
ano começou bem, realizando um sonho: entrar numa piscina de bolinhas. Todos
nós temos alguns vazios na infância: nunca ter jogado SuperMario, ou nunca ter
brincado de beyblade, ou nunca ter assistido ao Castelo Rá-Tim-Bum. Um dos meus
foi o de nunca ter me aventurado entre bolinhas coloridas. Pois bem, eis que
com os meus dezessete anos, o vazio foi preenchido. Nunca é tarde para acordar
nossas crianças íntimas. Agora só falta a roda gigante.
No carnaval da
família, realizando um sonho
Os
dezoito anos são uma idade fetiche. Sonhamos com a liberdade, a juventude e o
vigor que essa fase da vida sugere. Porém, o meu não foi isso tudo não. Ainda
sou dependente financeiramente da família, ainda não saí de casa, não tenho
nada em meu nome além de revista semanal e pensando bem, não tenho nada além de
alguns livros, um blog, e algum conhecimento. Mas quem se importa? Tenho
amigos. E foi com eles que comemorei a chegada dessa idade de ilusões.
Dezoito anos com cara
de cinco.
E
depois de um longo semestre de estudos pesados... as férias de Julho!
Reencontrei os amigos migradores, tocamos violão, respiramos ar puro, corremos,
acordamos junto com o sol, cantamos bossa nova, abrimos padarias, descobrimos
museu, jogamos frescobol, nadamos no Rio à noite, assistimos a filmes... E preenchi mais um vazio da infância: soltei
pipa. Melhor, fabriquei e soltei pipa pela primeira vez. Foi transcendental.
Ver uma pipa voando é voar junto com ela. Foi uma das experiências mais bonitas
da minha vida. Talvez por todo o contexto de repressão dos prazeres que o
estudo impõe, talvez por ter acontecido com grandes amigos e na beira do rio,
pela manhã, com céu azul e vento bom, ou talvez porque é bonito para todo mundo
e foi também para mim, só isso. Querendo nunca mais me esquecer da minha pipa
verde, fotografei-a no ar. Só então percebi que ela estava alta demais... E eu
também.
Voando
Ano de experimentações, de primeiras vezes.
Esse é o meu primeiro origami, feito com muita ajuda, passo a passo, numa mesa
de bar e com guardanapos. Só não me peça para fazer de novo...
Pássaros tortos de
guardanapo
Ouro
Preto, aqui em Minas, é patrimônio histórico da humanidade. Mais do que isso, a
cidade é patrimônio de todas as almas melancólicas como a minha. Cidade de
brumas, de cinza, de saudosismo e pesar. Cidade linda. Já a conhecia, mas esse
ano a revisitei e me apaixonei ainda mais. Não é cidade de aconchego, mas de
incômodo, de frieza, de olhar para o passado e olhar para si ao mesmo tempo.
Cidade daquela solidão dos livros, da lareira, do vinho seco. Cidade de mim.
Cidade-eu
Criei
o blog esse ano, com o objetivo de fugir dos compromissos, do cotidiano
sufocante e ter um lugar meu, um quarto onde posso bagunçar e organizar a
bagunça do jeito que quiser. Um lugar em que estou quando quero somente estar.
Onde pesquiso o que eu gosto, falo sobre assuntos que me interessam e sobre
mim, e pouco me importa se ninguém quer saber sobre mim. Eu quero.
Meu quarto
E
de toda essa história de ensino médio e recreio estou levando comigo o mais
importante de tudo: os amigos que fiz. E fiz bem feito.
A turma da escada
Sempre soube
que eu sou uma pessoa de esquerda. Nesse ano treinei essa minha vocação com a
minha própria escola, que deixou muito a desejar na minha educação. Na verdade,
o treinamento se deu durante os longos quatro anos em que estudei lá, mas
culminou no último dia de aula, depois de muita dor de cabeça, stress,
reclamação e, sobretudo, vontade de mudar as coisas. Fiz o meu primeiro
protesto com plaquinhas. Tenho quase certeza de que, apesar da gritaria, da
batucada, do grito de guerra e do discurso inflamado pouco ou quase nada
mudará. Infelizmente, a imagem que guardo do fim do meu período escolar sou eu saindo do prédio da última escola e ela desmoronando no fundo.
A primeira plaquinha
de muitas
Para
finalizar o ano, pintei a minha primeira, e talvez única, tela – inspirada por
um conto que escrevi e já postei aqui: Sr. Não Sei. O conto fala sobre aquelas
pessoas que vemos sempre, mas não sabemos o nome e quem são. A pintura também é
sobre isso, mas ela ganhou sentidos múltiplos e maiores, pelo menos para mim.
Pendurei-a na cabeceira da minha cama e quando a vejo todos os dias, lembro-me
do existencialismo de Sartre e da esfinge da história de Édipo: “Decifra-me ou
devoro-te!”. É o símbolo perfeito de toda a incerteza que minha vida se tornou
nesses últimos meses. E a interrogação no lugar da face é o próximo ano, é
o futuro que não sei, é o Douglas de amanhã e o de hoje também.
Sr. Não Sei
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Mais um pato selvagem
Uma fábula do Rubem Alves – Patos Selvagens – discorre sobre a
diferenciação entre os patos selvagens e os domésticos. Os primeiros voam,
enfrentam os caçadores, não possuem casa fixa, mas vivem na beleza maior: o
horizonte. Os segundos não precisam enfrentar perigos, não voam, possuem lugar
para morar e a comida lhes é dada pelo dono; eles vivem tranquilamente ao
contrário dos selvagens. Essa distinção funciona para os patos. Mas serve
também para os homens.
As
minhas últimas semanas foram de alçar vôo e enfrentar os tiros dos caçadores.
Semanas de escolha entre a segurança da terra ou os riscos do ar; entre o
calar-se e os gritos; entre a mesmice, fracassada, e o tentar mudar as coisas.
Das duas opções prefiro as segundas. Mas de repente me vejo num mundo repleto
de pessoas que preferem as primeiras.
Os
patos domésticos são maioria por aqui. Sem metáforas, as pessoas cansadas ou
derrotadas que perderam a capacidade de mudar o mundo, ou seu próprio, estão
por toda a parte. Estão nas ruas congestionadas, em prédios cinzentos, nas
lojas procurando algo que o consumo não oferece; estão em casa vivendo por
viver. Estão nas escolas também. E esse é o maior perigo de todos.
Educadores
deveriam ensinar aos seus alunos, antes dos números, das letras ou dos átomos,
as técnicas de vôo. A primeira lição seria acreditar que as asas existem, mesmo
nesse “mundo enfastiado que já não crê nos bichos e duvida das coisas”, como
diria Drummond. O problema é que muitos educadores não sabem ou desistiram de
voar. Os seus alunos, portanto, também nunca o saberão. Eles estão fadados a se
juntarem ao medíocre exército dos patos domésticos, onde também estão os seus
professores.
Esse
exército, gigantesco, nunca ganhará batalha alguma, pois não luta. Pode até
estar armado em algumas ocasiões, mas quando empunha a arma para desferir o
primeiro golpe contra o inimigo, hesita. Tem medo. Recua. E essa é a sua sina.
A sina de milhões e milhões de pessoas emudecidas. Eles nunca mudarão o mundo,
pois perderam o brilho nos olhos. Perderam a crença na utopia, e isso não é um
paradoxo. A utopia pode ser, algum dia, verdade. Por que não? É nisso que
acredita o exército do outro lado.
Os
voadores por excelência são poucos. Muitos foram reprimidos pelos caçadores.
Mas apesar da quantidade inferior, pertencem a eles, selvagens, as digitais que
vemos no mundo. Eles as deixaram lá.
Todos
os educadores deveriam ser patos selvagens. Corajosos. Sonhadores. Voadores.
Que não têm medo do grito e de saírem das suas vidas confortáveis e cheias de
hipocrisia para buscarem algo bom de fato. Na verdade, educadores ou não, todos
deveríamos ser assim. O mundo seria melhor e não este.
Estou cansado
destas razões que movem tudo: a inércia, o medo, a ignorância, a hipocrisia, a
mediocridade, a futilidade, o comodismo, o egoísmo... Para aonde vamos assim?
Esse texto,
esse desespero, esse susto de ver tal estado de coisas talvez seja só
inexperiência de garoto de dezoito anos. Talvez seja só a pujança da juventude,
como dizem. Mas se ser experiente é deitar a cabeça no travesseiro e se
esquecer de que tudo está errado, não, quero ficar aqui onde estou. Mais um
pato selvagem, que quer, pelo menos, tentar organizar esse quarto bagunçado em
que vivemos.
A história do
Rubem Alves termina com o pato selvagem, que virara doméstico por opção, com
saudade de voar. Ele tenta, mas continua no chão “em segurança, gordo de
barriga cheia, protegido pelas cercas”. Os seus ex-semelhantes estão lá em
cima, ainda fugindo dos caçadores, mas livres. O horizonte é o quintal da casa
deles. E pode ser o nosso também.
sábado, 3 de dezembro de 2011
Recorte: Ao sul de lugar nenhum, Charles Bukowski (2)
“Como qualquer um
pode lhe dizer, não sou um homem muito bom. Não sei que palavra usar para me
definir. Sempre admirei o vilão, o fora da lei, o filho da puta. Não gosto dos
garotos bem-barbeados com gravatas e bons empregos. Gosto dos homens
desesperados, homens com dentes rotos e mentes arruinadas e caminhos perdidos.
São os que me interessam. Sempre cheios de surpresas e explosões. Também gosto
de mulheres vis, cadelas bêbadas que não param de reclamar, que usam
meias-calças grandes demais e maquiagens borradas. Estou mais interessado em
pervertidos do que em santos. Posso relaxar com os imprestáveis, porque sou um
imprestável. Não gosto de leis, morais, religiões, regras. Não gosto de ser
moldado pela sociedade.”
(Charles Bukowski, Ao sul de lugar nenhum, conto Colhões, L&M Pocket, página 145.)
terça-feira, 29 de novembro de 2011
O fim
José
E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora, José?
Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
O riso não veio
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de
febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!
Sozinho no escuro
Qual bicho-do-mato,
Sem teogonia,
Sem parede nua
Para se encostar,
Sem cavalo preto
Que fuja a galope,
Você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de
Andrade
Josés, que essas perguntas
carregadas de angústia tenham alguma certeza como resposta.
Até.
domingo, 27 de novembro de 2011
É desta leveza que eu estou falando
(Know How - Kings Of Convenience)
Essa é a contribuição do Kings of Convenience contra toda a melancolia presente. A
suavidade e a simplicidade das vozes e da melodia talvez sejam tudo de que
careço para me livrar desse peso sobre os ombros. Peso a que eu mesmo me
submeti. E ainda estou submetido, esgotado.
Outros versos, do Oswaldo Montenegro, agora
são mantra, oração, pedido à estrela que cai:
“Que essa minha
vontade de ir embora
Se transforme na
calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que
me corrói por dentro
Seja um dia
recompensada.”
(Metade - Oswaldo
Montenegro)
Ao
repeti-los espero profundamente que as águas calmas substituam a tempestade. E
perdurem.
domingo, 20 de novembro de 2011
Meu querido pé anti-racista
Era uma vez um pé comum...
... que, embalado pelo The Kooks...
... e através das
mãos de verdadeiras artistas...
... transformou-se
num pé anti-racista...
... porque até o meu
pé entende que o racismo é uma tolice.
sábado, 19 de novembro de 2011
Recorte: Ao sul de lugar nenhum – Charles Bukowski
“Descobri que na América e
provavelmente em todos os outros lugares, tudo se resumia a ficar na fila.
Fazíamos isso em toda parte. Carteira de motorista: três ou quatro filas.
Hipódromo: filas. Cinema: filas. Mercado: filas. Eu odiava filas. Senti que
deveria haver uma maneira de evitar as filas. Então a resposta me iluminou. Ter
mais atendentes. Sim, essa era a solução. Dois atendentes para cada pessoa.
Três atendentes. Deixem os atendentes fazerem fila.”
(Charles Bukowski, Ao sul de lugar nenhum, conto
Dr. Nazi, página 115.)
domingo, 13 de novembro de 2011
Vontade de fugir
“ – Minha querida filha, (...)
Consultei o oráculo que, como sabes, não mente nunca e dirige toda a minha
conduta. Ele me ordenou que te fizesse correr o mundo. Deves viajar. (...)
Formosante,
que jamais saíra do palácio do rei seu pai e que, (...) só havia levado uma
vida muito insípida na etiqueta do fausto e na aparência dos prazeres, ficou
encantada com a peregrinação que iria fazer.”
(Voltaire, A princesa de Babilônia, página 38)
Está
decretado: a vontade de fugir é sentimento universal e constante. Agora ou
na Antiguidade, aqui ou na Babilônia remota, nunca estamos completamente
satisfeitos com o que temos nas mãos. Queremos mais. A isso, dá-se o nome de
ambição. No entanto, eu nomeio sobrevivência.
Cansei.
Mas não tenho
do que reclamar da vida. Possuo ótima família que me ama e entende; amigos
incríveis que me ouvem e riem comigo, e choram; até, quem diria, amor. Porém
esse tudo que me cabe parece pouco agora. Sinto-me preso em uma gaiola enquanto
a imensidão do céu lá fora me espera. O tudo já não me basta mais.
Assim como
Formosante, a Princesa de Babilônia, que apesar de ser herdeira do maior
império antigo, possuir milhares de servos e riquezas a sua disposição, ser a
mais bela de todas as princesas, ter tudo de que precisa, ainda assim, falta. Não
sei se essa ausência inominável será preenchida um dia, mas a busca é
necessária, mais do que isso, ela é vital.
Imagino que
todos estão sujeitos a essa cócega, que vira convulsão, de mudanças. O que
talvez falte à maioria é coragem de abrir novos caminhos na selva que é a vida.
Mudar de emprego, conhecer pessoas novas, relacionar-se com novos possíveis
amores, constituir família, abandonar o casamento falido, mudar de cidade,
iniciar a faculdade, viajar.
A estagnação e
o conformismo me causam medo e são também formas de morrer. Mudar é renovar o
viver, que já anda tão cansado.
Assisti a um
filme, Um lugar qualquer (2010), que
contava a história de Johnny Marco, ator de Hollywood, rico, bem sucedido
profissionalmente, mas vazio. O filme é arrastado como a própria vida do
protagonista, que quando não trabalha volta para casa, sozinho, onde fuma,
bebe, faz sexo, dorme e só. Durante todo o filme espera-se que algo aconteça,
mas não acontece, porque também falta algo para o Johnny. Ao final, ele abandona
o seu carro de luxo e foge. O sorriso no canto dos lábios que vemos é de alívio
e liberdade.
(Um lugar qualquer, Sofia Coppola, 2010)
Não tenho uma
Ferrari para abandonar, mas também preciso desse mesmo sorriso. Não abandonar e
esquecer – quero conservar tudo até aqui – mas renovar o oxigênio, os abraços,
os motivos do choro. Conhecer, quem sabe, o Vilarejo
da Marisa Monte, “onde areja um vento bom”, “o mundo tem razão” e o tempo
pode esperar.
(Vilarejo - Marisa Monte)
Por enquanto,
estou como O elefante drummondiano,
que procura um mundo novo e está “faminto de seres e situações
patéticas”. O elefante nada encontra, além de hostilidade. Mas continuará a
procurar. Eu e o meu elefante continuaremos.
O elefante
Fabrico
um elefante
De
meus poucos recursos.
Um
tanto de madeira
Tirado
a velhos móveis
Talvez
lhe dê apoio.
E
o encho de algodão,
De
paina, de doçura.
A
cola vai fixar
Suas
orelhas pensas.
A
tromba se enovela,
É
a parte mais feliz
De
sua arquitetura.
Mas
há também as presas,
Dessa
matéria pura
Que
não sei figurar.
Tão
alva essa riqueza
A
espojar-se nos circos
Sem
perda ou corrupção.
E
há por fim os olhos,
Onde
se deposita
A
parte do elefante
Mais
fluida e permanente,
Alheia
a toda fraude.
Eis
meu pobre elefante
Pronto
para sair
À
procura de amigos
Num
mundo enfastiado
Que
já não crê nos bichos
E
duvida das coisas.
Ei-lo,
massa imponente
E
frágil, que se abana
E
move lentamente
A
pele costurada
Onde
há flores de pano
E
nuvens, alusões
A
um mundo mais poético
Onde
o amor reagrupa
As
formas naturais.
Vai
meu elefante
Pela
rua povoada,
Mas
não o querem ver
Nem
mesmo para rir
Da
cauda que ameaça
Deixá-lo
ir sozinho.
É
todo graça, embora
As
pernas não ajudem
E
seu ventre balofo
Se
arrisque a desabar
Ao
mais leve empurrão.
Mostra
com elegância
Sua
mínima vida,
E
não há na cidade
Alma
que se disponha
A
recolher em si
Desse
corpo sensível
A
fugitiva imagem,
O
passo desastrado
Mas
faminto e tocante.
Mas
faminto de seres
E
situações patéticas,
De
encontros ao luar
No
mais profundo oceano,
Sob
a raiz das árvores
Ou
no seio das conchas,
De
luzes que não cegam
E
brilham através
Dos
troncos mais espessos,
Esse
passo que vai
Sem
esmagar as plantas
No
campo de batalha,
À
procura de sítios,
Segredos,
episódios
Não
contados em livros,
De
que apenas o vento,
As
folhas, a formiga
Reconhecem
o talhe,
Mas
que os homens ignoram,
Pois
só ousam mostrar-se
Sob
a paz das cortinas
À
pálpebra cerrada.
E
já tarde da noite
Volta
meu elefante,
Mas
volta fatigado,
As
patas vacilantes
Se
desmancham no pó.
Ele
não encontrou
O
de que carecia,
O
de que carecemos,
Eu
e meu elefante,
Em
que amo disfarçar-me.
Exausto
de pesquisa,
Caiu-lhe
o vasto engenho
Como
simples papel.
A
cola se dissolve
E
todo seu conteúdo
De
perdão, de carícia,
De
pluma, de algodão
Jorra
sobre o tapete,
Qual
mito desmontado.
Amanhã
recomeço.
Carlos
Drummond de Andrade
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Divulgando links: André Dahmer
É mais do que
valorizar o que se produz nessas terras tupiniquins. É a confirmação de que,
sim, temos artistas contemporâneos muito talentosos. André Dahmer é desenhista,
cartunista, pinta, escreve e ainda é amigo do Rodrigo Amarante e do Marcelo
Camelo. Enfim, o cara é foda.
De humor fino, sarcástico, politicamente
incorreto e, por vezes, filosófico, começou publicando os seus quadrinhos na
internet em 2001 e de lá pra cá publicou livros e já é nacionalmente
reconhecido, com direito a elogios do Ziraldo. O melhor de tudo é que ainda
continua publicando na internet, gratuitamente. Eis os links:
1)
http://malvados.wordpress.com/
: Blog. Cartuns excelentes, notícias, e onde estão a venda os seus outros
trabalhos como livros, e até um cinzeiro personalizado com frases do tipo:
“Você vai morrer de algo que gosta”.
2)
http://malvados.blogger.com.br/:
Blog pessoal, onde é possível acompanhá-lo mais de perto.
3)
http://www.pintura.com.br/
: Site com gravuras e pinturas do Dahmer. Além de trabalhos alternativos, como
uma cruz de cigarros Malboro gigantes.
4)
http://g1.globo.com/pop-arte/fotos/2010/04/tirinhas-rei-emir.html :
E o cara também publica no G1. O detalhe é que lá só são publicadas as tirinhas
de um de seus personagens, o Rei Emir: tirano, egoísta e de grandes bigodes.
5)
http://www.malvados.com.br/:
Site com os “Quadrinhos dos anos 10”: atualizações diárias e muita crítica
social.
O universo
Dahmer é diversão e distração de qualidade.
Bom apetite.
E o Monsueto, meu preferido:
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