Dentro dos olhos de um homem do
Estado, o que há? Toda essa subordinação a uma máquina que mata, de onde vem? O
que fez com que as palavras amor e guerra se aproximassem? O que aconteceu com
a memória histórica do povo que aplaude os militares e posam para fotografias
ao seu lado? E as crianças, meu Deus, aguardam ansiosas o tiro ser detonado
pelo fuzil! O tiro que mata os pássaros e o vento passageiro, infantil. Estão
mortos a liberdade, a universidade, os meninos deste país.
O homem caminha automático como
se recebesse comandos de um controle remoto; o homem caminha ritmado, sua
expressão é dura, sua postura é séria e assusta (ou encanta!); ele é cruel no
olhar, pode matar se quiser, pode morrer se quiserem, ele marcha. E o soldadinho
de chumbo foi o seu sonho num dia de inocências. E a farda manchada de sangue,
sob as botas a causa da mancha, agonizante, foi o seu sonho de juventude; e se
conserva.
Roubaram sua infância,
venderam-lhe ilusões que nunca tivera. Nos olhos camuflados não há mais
brincadeiras nem sono tranquilo. O menino foi embora, banido. Em seu lugar
implantaram, como um programa pré-definido, o guardião de uma pátria
dissimulada. Ele não pode dormir sossegado, pois tem que proteger, sem ser
protegido e amar, sem amor de volta. Sua família se orgulha do morto. O Estado
ignora o cadáver obrigatório.
Reprogramaram a máquina humana.
No lugar do coração, a obediência fria. No lugar da inconstância da voz, o tom
grave de agora em diante. E o olhar paralisado, distante, sem hesitar, sem se
distrair, sem riso, sem lágrima, sem afeto, o que vislumbra? No horizonte
longínquo dos olhos haverá uma árvore solitária no alto de um morro de relva,
com sua sombra generosa e alguém sentado nela? Haverá um pássaro entre nuvens,
ou uma bolha que logo vive e se quebra? Haverá libertação e medo e humanidade,
ou apenas gaiolas, hinos, coluna ereta, silvos e falso heroísmo? O herói está
sendo forjado na argila despercebida. Reprogramaram a máquina humana. Cacem!
Prendam! Torturem! Matem! Gozem! Depois aplaudam o horror da vida.
O homem do Estado morrerá feliz.
Ele estará satisfeito por possuir um uniforme, um nome. Por toda a vida
defendeu sua nação dela mesma. O inimigo sempre esteve dentro de casa: sob sua
mira cega o próprio pé. Mas o homem do Estado não sabe do Estado. E está feliz
por não saber, feliz e morto. Sorriso nos lábios azuis e endurecidos; no punhal
cravado em suas costas, a bandeira do Brasil.
Na minha face escorre sozinha uma
lágrima. Ela é sólida de ódio. O homem é um exército. A morte dele um massacre.
Não existem lápides para o moço nem para o menino. Não há menção honrosa para o
olhar perdido. O que há dentro dos olhos cínicos do país é uma bandeira e uma
mentira. Dentro de mim a vontade de parar esse brinquedo que gira.