terça-feira, 5 de janeiro de 2016

“Encaro o sol até a cegueira, não, não quero, agora não. Estava tão contente pensando só em letras e de repente elas foram se compondo, tão perigosas quando se juntam. Mas na raiz são descomprometidas. Umas crianças, A, B, H, M, O... Tão raro o X. Em declínio, o Z, rei desmemoriado, o irmão gêmeo S com a astúcia de um usurpador. Ponho o dedo em cima do F desventrado que Irmã Bula bordou, as letras também levam facadas no ventre, tiros no peito, socos, agulhadas, coices – também as letras são atiradas ao mar, aos abismos, às latas de lixo, aos esgotos, falsificadas e decompostas, torturadas e encarceradas. Algumas morrem mas não importa, voltam sob nova forma, como os mortos.”


- Lygia Fagundes Telles, As meninas, 1973



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