De 1977 a 1980, o
cartunista Henfil escreveu uma coluna, para a revista Isto é, que consistia em cartas endereçadas a sua mãe. Em 1977,
quando recebeu o convite e a ideia, ele vivia em Natal (RN) e ela, no Rio de
Janeiro; o irmão Betinho estava exilado no Canadá pela ditadura que, no
discurso, abria-se lenta e gradualmente para a democracia. Henfil utilizou as
cartas para criticar o governo e matar saudade dos seus.
Este livro reúne os
textos escritos durante esse período. Neles, Henfil mescla características de
crônica política e de de carta pessoal. Sua genialidade aqui foi
cutucar o governo com humor e afeto. Sim, o afeto cotidiano das conversas com
sua mãe. Ele, inclusive, atribuiu à destinatária tão ilustre o fato de a
censura nunca ter vindo: É como se eu
estivesse escondido debaixo da saia da mãe. Tinham que passar por cima dela pra
me pegar.
Através das cartas,
acompanhamos a história do Brasil desse período – greves no ABC paulista,
greves gerais, campanha pela Anistia, prisões políticas, saudade do irmão, angústia,
medos, apertos – e o fazemos através de lentes assumidamente subjetivas. Não
havia apenas a pretensão de objetividade que se espera de alguém que comenta a
realidade do seu país. Pelo contrário. Henfil tecia comentários políticos, mas,
no final, despedia: A benção do seu
filho.
Há ainda que ser
ressaltado o forte caráter humorístico e irônico – herança do cartum –, além da
coloquialidade. Certamente, esse foi outro motivo para a censura não ter vindo.
É esperar muito que militares tão preocupados em prender, exilar, torturar,
calar vozes, entendam de ironia. Entendam a força crítica de cartas tão
afetuosas à mãe, uma “senhorinha inofensiva”, fazedora de biscoitos. Biscoitos
que, isso é certo, às vezes não ficavam bons – eram os tempos. (...) Acho que a goma não é boa, da outra
vez vai melhor, reflete Dona Maria.
Cartas da mãe
Henfil
1980
Ed. Codecri
225 p.
Avaliação: 3,5/5
Henfil foi muito feliz em escrever esses textos. Muito genial, gentil, honesto e digno!
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