terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Tentativa de resenha: "Cartas da mãe", Henfil


De 1977 a 1980, o cartunista Henfil escreveu uma coluna, para a revista Isto é, que consistia em cartas endereçadas a sua mãe. Em 1977, quando recebeu o convite e a ideia, ele vivia em Natal (RN) e ela, no Rio de Janeiro; o irmão Betinho estava exilado no Canadá pela ditadura que, no discurso, abria-se lenta e gradualmente para a democracia. Henfil utilizou as cartas para criticar o governo e matar saudade dos seus.

Este livro reúne os textos escritos durante esse período. Neles, Henfil mescla características de crônica política e de de carta pessoal. Sua genialidade aqui foi cutucar o governo com humor e afeto. Sim, o afeto cotidiano das conversas com sua mãe. Ele, inclusive, atribuiu à destinatária tão ilustre o fato de a censura nunca ter vindo: É como se eu estivesse escondido debaixo da saia da mãe. Tinham que passar por cima dela pra me pegar.

Através das cartas, acompanhamos a história do Brasil desse período – greves no ABC paulista, greves gerais, campanha pela Anistia, prisões políticas, saudade do irmão, angústia, medos, apertos – e o fazemos através de lentes assumidamente subjetivas. Não havia apenas a pretensão de objetividade que se espera de alguém que comenta a realidade do seu país. Pelo contrário. Henfil tecia comentários políticos, mas, no final, despedia: A benção do seu filho.

Há ainda que ser ressaltado o forte caráter humorístico e irônico – herança do cartum –, além da coloquialidade. Certamente, esse foi outro motivo para a censura não ter vindo. É esperar muito que militares tão preocupados em prender, exilar, torturar, calar vozes, entendam de ironia. Entendam a força crítica de cartas tão afetuosas à mãe, uma “senhorinha inofensiva”, fazedora de biscoitos. Biscoitos que, isso é certo, às vezes não ficavam bons – eram os tempos. (...) Acho que a goma não é boa, da outra vez vai melhor, reflete Dona Maria.


(trechos aqui e aqui)


Cartas da mãe
Henfil
1980
Ed. Codecri
225 p.

Avaliação: 3,5/5

Um comentário:

  1. Henfil foi muito feliz em escrever esses textos. Muito genial, gentil, honesto e digno!

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