Cecília,
sonhei com Alice Sant´Anna, falávamos sobre poesia. Ela
parecia meio entediada com este assunto e eu mais empolgado, como um iniciante.
Além disso, organizávamos uma antologia em que ela, Edson Lopes, poeta da minha
terra, e talvez eu, reuniríamos nossos textos. Havia concordância de que ela e
Edson deveriam ter seus textos compilados, mas havia dúvidas em relação a mim,
porque escrevo predominantemente em prosa e não sabíamos ao certo quão adequado
seria misturá-la com os versos. Acordei lembrando que o Vinícius de Moraes fez
isso em Para viver um grande amor, em que alternou crônicas e poemas.
Mas, para tal fim, criou um sentido bonito, de que estes visavam a amenizar
um pouco aquelas, dar-lhes, quem sabe, um balanço novo. Talvez não
conseguíssemos tal efeito; então, no sonho, defendia que não devíamos misturar
a natureza dos textos, sob pena de não lapidarmos bem as arestas e o livro
restar grosseiro. A prosa, de fato, parece pesar mais do que o poema (por mais
narrativo que este seja, e por mais poética que ela seja) – talvez seja o uso
recorrente dos pontos finais. Sim, talvez seja isso. O que pesa um texto em
prosa talvez sejam os pontos finais.
Num determinado momento da discussão, eu já me convencia de
que não faria parte da antologia, mas sugeri: vamos convidar a Ana Martins
Marques! disse, com uma empolgação não compreendida nem por Edson, nem por
Alice. Esta, inclusive, hesitou no olhar, como se duvidasse do meu gosto para
poesia, como se duvidasse da habilidade poética de Ana. E então ratifiquei: os
poemas dela são muito bons, não são? E, depois de mais um silêncio hesitante
desconfortável, Alice Sant´Anna respondeu: sim, são bons, mas isso não quer
dizer que ela seja uma poeta boa. Refleti sobre essa afirmação por um instante
e, procurando algum sentido no que acabara de ouvir, mas confiando em sua
avaliação, respondi: sim, talvez seja o modo como ela quebra os versos, ou seus
poemas de amor, o problema está nos seus poemas de amor, não é? Alice continuou
pensando, mas não respondeu. Ela parecia julgar ignorante tudo o que eu dizia
sobre poesia.
Em outro momento do sonho, não sei se do mesmo sonho, mas
certamente no mesmo mar da mesma noite, vi a Ana Martins Marques em várias
fotografias banais, fotografias que continham algum movimento. Em todas elas,
sua expressão revelava uma humanidade que não transparece em seus poemas: a
humanidade contida no rosto amassado e inchado após acordar no meio da tarde; a
oleosidade, tão humana, à mostra na pele após acordar do mesmo sono; um
profundo tédio e insatisfação com a própria vida: tudo isso estampado no rosto
da Ana Martins Marques. Ao analisar essas fotografias, finalmente a senti mais
próxima de mim, um encurtamento de distâncias ainda mais eficaz do que seus
poemas provoca. Seus poemas tão elevados, de elevação quase física.
Abraços,
Cecília,
sonhar
com essas mulheres
de
alguma forma é sonhar com você
D.