segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Fui pra rua


“Chegou e entrou pelo corredor com tijolos à vista e o piso cheio de buracos. Pediu para abrir a tranca, o responsável demorava a chegar, gritou para alguém abrir e finalmente uma senhora, negra, 45 anos de idade, aparecem, tira uma peça de ferro da cintura, parecida com uma chave de roda e, ao girar a peça, a porta abre e ele entra.

Na porta, alguém se apresenta, branco, alto, cabelo curto, não pega na mão.

- Estou vendo alguém para ficar com eles.

Uma mulher se aproxima, diz para o jovem branco que tem um substituto, ele insiste em outro, parece que ninguém quer a missão de ter de ficar com os alunos.

- Pra mim é tranquilo, eu dou conta, não precisa da presença de um professor, se vocês quiserem.

- Você não conhece os alunos, não tem noção do que eles são.

Ele insiste que não precisa de ninguém, pergunta se os livros da mala estão na mesa.

- Estão, aviso sempre eles, ‘não rasga o livro, não risca, do jeito que está vai voltar para outros usarem’.

Ele contra-argumenta.

- Não preciso disso, senhora, todo mundo tem direito de rasgar um livro se quiser, livros não são só para serem amados, tem livro que é horrível, então, para quem num teve contato nenhum, tudo vale.

- Mas o senhor não sabe, eu lido aqui com traficante, com ladrão de carro, com furto mesmo, e sei do que tô falando, falo pra eles que o livro tem chip, que a gente sabe onde tá cada um.

Ele ouve essa nojeira saindo da boca dela, um monte de lixo como o que tem na margem da represa do próprio Grajaú, o mesmo monte de lixo que ele vê nas esquinas quando foi pro Guacuri. Olha para o pátio e não vê ladrões, assassinos, menores, vê crianças querendo ter uma oportunidade de aprender.

O pátio está imundo, ele anda com a mala de livros. Desde que decidiu fazer um projeto para estimular a leitura, nunca pensou que seria assim, que voltaria tão desgostoso de cada evento. Foi ao banheiro, procurou uma privada para urinar, mas só existiam buracos no chão, olhou para a mala com os livros, que sentido fazia tudo aquilo? Deixou a mala no banheiro e saiu da escola.”


(Ferrez, julho de 2013, Revista Fórum)