segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Pus

neste ano necessário, somente necessário, David Nascimento foi dos melhores acontecimentos - aconteceu, acontece. ele elaborou um estudo a partir da narrativa  Dois leões representados num quadro e você pode ver aqui esta maravilha. 

mais uma vez, gratidão, david, não há palavra que abrace melhor todo este sentimento.

e, para os/as que ficam, antes que tudo acabe:

um) repito: palavra não basta.

dois) melhor dizer logo tudo o que há para ser dito, que daqui a pouco o ano entra e com ele: 

três) assistam a Relatos Selvagens, de Damián Szifron, antes do apocalipse. 

quatro) parar para ver o fim do dia. acabar junto com ele. 

cinco) res
           pi
           ra
           ção

té 
lá 



(fotografias: letícia santana)

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014


“Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza.
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento, em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

‘Agora és livre, se ainda recordas’.”


Cecília Meireles, Solombra, 1963

domingo, 14 de dezembro de 2014

“ – Escuta: pois é, não sei se te contei que o teatro que estou a escrever é o teatro que consagrará as aparições, é o que tenho denominado para consumo interno de Teatro da Aparição, melhor assim, pois basta de personagens de  carne e osso que vêm de algum lugar e partem para outro, não, não, a partir de agora de repente irrompem do nada e de súbito desaparecem para o nada, como verdadeiras assombrações são transplantados vamos dizer do esquecimento para o olvido, ninguém espera o surgimento nem o apagamento deles; estamos todos nós cansados da previsão de tudo, pega um jornal, televisão, nos despejam previsões de chuva sol frio calor nuvens esparsas tempo coberto terremotos tufões safra de arroz para esse ano, basta, basta, mas não, ainda vem o time que deverá vencer o jogo de amanhã o meteorito que cairá sobre nossas cabeças deus seja louvado não aguento mais, só o Teatro da Aparição poderá nos salvar é mesmo no meio dessa história toda, o espectador aqui terá sua capacidade de previsão amputada, o que ele vê agora é uma cena banhada numa espécie de formol que a protege do bafo das previsões cuidado com esse bafo!, pois agora teremos uma cena cujo desenvolvimento o público não terá a menor condição de adivinhar até porque ele é composto de ignorantes incultos burros broncos massa encefálica dormente crânio oco o que você quiser.

Raios me revolvam a mente me disse ele incinerando tudo o que já dissera: o que eu quero, acrescentou, e te falo isso como quem se dirige a alguém em prece: o que eu quero para esse Teatro da Aparição é que ele nem precise existir, no duro. Para quê?

Para que mais e mais maneiras de externar a mesma merda se o mundo carece não de uma linguagem mas de um fato tão ostensivo na sua crueza que nos cegue nos silencie e que nos liberte da tortura da expressão, é isso, pronto!

Ele era um rapaz que pensava estar criando a sua poética. Talvez estivesse, talvez não.”


(João Gilberto Noll, A céu aberto, Companhia das Letras, 1996)

Dois leões representados num quadro

Dois leões representados num quadro, ambos olhando para o lado direito, lado a lado, grandes jubas, grandes olhares, grandes variações de amarelo. Eu escrevia sobre eles. Escrevia um conto sobre leões a partir deste quadro. No primeiro parágrafo, justificava a razão da escrita, mas depois, pensei em apagá-lo. Ninguém precisa saber as razões da escrita. Aparentemente, os leões eram irmãos e um confessou ao outro sua homoafetividade. O leão gay era o mais velho. O leão mais novo não se importou com a revelação do irmão apreensivo, continuou vivendo naturalmente, vida de bicho. Mas o leão gay ainda guardava algum constrangimento em relação ao outro, constrangimento sem qualquer fundamento nos fatos, já que a reação fora boa, natural, como reagem os animais a fatos esperados, mesmo que inesperados, pouco importantes. O leão mais velho permanece apreensivo. Apreensão transcende os fatos.

O conto se estendia, ficava cada vez melhor, e o que era apenas a descrição de uma pintura tornava-se, a cada palavra a mais, conto para livro. Livro que não acaba. Livro que não virá. No quadro, agora, não havia dois leões, apenas um, de boca aberta, como em grito, ou em fala. Escrevo sobre os limites da boca. Até certo ponto, ainda podem-se ver os dentes; deste ponto em diante, só escuridão, o breu da boca, o abismo da boca, trevas, goela, ou não: fronteira.

C. está na praia, também de lado, olhando o mar, sentado na areia, sem camisa. Não estou com ele, mas posso vê-lo: meu olhar é como câmera que foca em C., foca em mar, movimento das ondas. Ele está em paz, tão calmo, um tanto desiludo, olhando para o mundo. Estamos no último dia do ano. Meu olhar-câmera foca cada vez mais somente em C. num zoom lento. Tudo está acinzentado. Sua posição me faz lembrar a dos leões no primeiro quadro. Sem me ver, C. gira seu corpo, fica em frente a mim, eu que olho menos para o mar, menos para mar. De frente, percebo que C. está nu e conversa com seu grande pênis mole. Diz algo como, todo ano peço esperançoso anel e tudo o que tenho, ano após ano é esta praia, só, o que explica sua aparente desilusão. O moço começa então a listar os pedidos para o próximo ano e, dentre os desejos, pede mais uma vez anel e também que o seu pênis continue crescendo dois centímetros de diâmetro como em todos os anos. C. possui metas. Meu olhar se aproxima totalmente e tudo o que preenche minhas lentes, meu quadro, é o seu corpo, corpo branco, quase rosado, gordo, com alguns pelos ao redor dos mamilos e na linha vertical na direção do umbigo, caminho da perdição, caminho da felicidade.

Oito páginas de conto. Termino.

Fim de tarde, monto na bicicleta e vou até a cidade a vinte minutos da minha, onde mora o senhor que me conta todas essas histórias que escrevo. Ele é a fonte do texto. Não é o quadro. Não sou eu. É este senhor agricultor que mora na zona rural da cidade a vinte minutos da minha. Fim de tarde. Chego, sento-me, mesa de madeira, para ouvir o senhor negro, chapéu protegendo-o do sol, contar-me histórias. Percebo que a história dos leões nunca existiu escrita, está ali na boca do velho contando. Lamento pelo material escrito perdido, como os pais lamentam pelos filhos que desaparecem. Ainda me lembro do limite da boca, da praia acinzentada, da conversa com o pênis que cresce, todo ano, dois centímetros. E só. Boas imagens na prosa esticada do velho. Nada está salvo, travessias: sonho, oralidade, escrita. 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

o que restou dos fragmentos


“Estou parado em pé no pequeno pátio, a maioria dos convidados já se retirou, levando junto os copos de bebida. No pequeno pátio descoberto, a neve noturna caindo sobre mim, contemplo com ternura o chalezinho fechado (que nem os vizinhos lá do Cody no 1047) – e digo a Buckle, que fuma maconha: ‘Esta é a casinha do meu passado. Que estranho que um dos frutos que colhi depois de já adulto e  bem-sucedido tenha sido esta casinha da eternidade nos fundos do meu quintal! Ah, noite espectral! Ah, neve sagrada! Estes mistérios – meu pai – que faremos nós todos?’ Chego a pensar em fumar aquela maconha para curtir melhor minha casinha – os vizinhos que moram nela não estão ali de momento, um ‘casal de velhos’ – mas não, desisto da erva, que aliena a minha alma ‘como já fez com a de Cody’ – a casinha tem velhos beirais de pão-de-ló, marrons, uma casa de histórias da carochinha, de infâncias perdidas em algum reino passado.  – Tristonho, volto para os últimos drinques, os últimos convidados da minha festa. – Estou de sobretudo e sento numa poltrona, taciturno. – O piano, alguém toca já no encerramento, o derradeiro piano, entre copos vazios.”

“(...) e não fiz a barba e cá estou, na sala de visitas dela, que se mostra friamente solícita, pareço um Major Hoople mais magro e mais jovem, que realmente saboreou um gostinho de sucesso no início, mas depois perdeu e voltou para casa para morar com a mãe e a irmã, mas continua ‘escrevendo’ e bancando o ‘autor’ – naquela ruazinha.”

“Sou também o pretenso libertino do bairro, pronto a trepar com todas as donas-de-casa da vizinhança, que, no fundo, não querem nada comigo, com exceção de algumas, mais idosas, que querem se gabar para a minha mãe...”


(O livro dos sonhos, Jack Kerouac)

sábado, 6 de dezembro de 2014

"nunca tinha visto uma bailarina negra", 
disse a educanda na aula sobre poéticas negras e 
racismo. 


(ilustração do david, verso meu, do poema pavão)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Surrealismo?

O salto estreou em blog e o mais estranho de tudo são as entrevistas de espelho, as perguntas que faço para mim mesmo, agora publicadas. 

Ainda não existem respostas. 

sábado, 22 de novembro de 2014

ao david

“ – No começo, achei que era uma árvore só. Eu a vi de longe, eu vinha caminhando e lá estava ela, enorme, toda florida, assim com pencas de flores de todas as cores, mas acho que principalmente roxas e amarelas, despencando até o chão. Não parecia de verdade, parecia uma coisa desenhada, assim meio de quadro, de ilustração de história infantil, filme de Walt Disney. Sabe Branca de Neve? – Ela sorriu também, cruzando os braços sobre os seios tranquilizada. Ele não percebeu. – Uma árvore assim, de fantasia. A mais bonita que eu já tinha visto em toda a minha vida. Aí eu parei e fiquei olhando. Tinha uma coisa forte ali me chamando e eu não conseguia ir em frente, eu devo ter hesitado muito tempo antes de chegar cada vez mais perto, e de repente eu estava dentro dela. Não, espera, não foi assim. Entre os ramos cobertos de flores havia uma espécie de vão, uma fresta, uma porta, e eu fui entrando por ela até ficar dentro daquela coisa colorida. Era escuro lá dentro. Era cheio de galhos trançados e torturados, e muito escuro, e muito úmido, parecia assim ter feito uma grande dor ali cravada naquele centro cheio folhas apodrecidas e flores murchas no chão. Pelo vão, pela fresta, pela porta eu conseguia ver o sol lá fora. Mas aquele lugar era longe do sol. Era uma coisa, uma coisa assim desesperada e medonha, você me entende? Então pensei em sair lá de dentro imediatamente, sem olhar para trás, mas ao mesmo tempo que queria ir embora, queria também ficar para sempre lá, e se me descuidasse, se alguma coisa mínima em mim perdesse o controle eu me encolheria ali naquele chão frio, olhando os galhos tão emaranhados que não passava nunca um fio daquela luz do sol lá de fora. Eu fui embora, eu não queria olhar para trás, mas sem querer olhei e lá estava ela de novo como eu a tinha visto da primeira vez. Uma árvore encantada, dessas que você pode fazer pedidos e talvez entrar num estado especial embaixo dela e ver, como se chamam, como é mesmo? os devas, isso, os devas, as ninfas, os faunos. Vista de fora, de onde eu estava, era uma árvore assim, com um lindo deva que eu quase via, roxo e amarelo como as flores, meio que dançando, quem sabe tocando flauta em volta dela. Então lembrei do escuro e achei que entendia e sem querer formulei com dificuldade uma coisa mais ou menos assim: é daquele emaranhado cheio de dor e angústia fria e solidão escura que ela arranca essa beleza que joga para fora. – Ele parecia muito cansado quando parou de falar e perguntou: - Você entende?”

Autor: Caio Fernando Abreu
Conto: Caixinha de música
Obra: Morangos Mofados

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Grace Jones, uma daquelas pessoas-divindades que ninguém sabe como existem sem implosão, se é que existem













L. e o canal que se expande

Era um castelo medieval onde funcionava um colégio interno. Eu estava lá, junto com uma turma, visitando, ficaríamos o dia inteiro. Havia água, competições, não lembro ao certo. Em dado momento, peguei no colo um amigo, R., que estava em forma de bebê, mas totalmente redondo, seu rosto estava esticado. Peguei-o no colo e caminhei com ele por um grande corredor, ninando-o. Atrás de mim, notei, estava vindo devagar um rapaz muito bonito, que conheço pessoalmente, L.. Senti interesse sexual por ele. E, pelo ritmo dos passos que dava, lentos como os meus, cogitei também o seu interesse. Até que L. me alcançou, caminhou ao meu lado. Por já o conhecer, puxei conversa, perguntando se estava tudo bem. L. trabalhava no colégio, vestia um macacão cinza todo sujo por fuligem, como se trabalhasse com carvão. Comentei que o colégio estava bastante movimentado com a visita. E ele me disse que não gostava quando vinham visitas, porque se apegava às pessoas e elas iam embora rapidamente. L. estava muito sério e pouco me olhava nos olhos.

Caminhamos, até que ele entrou numa grande sala sem porta, separada do corredor apenas por um grande portal. Entrei também. Na sala, de paredes salmão, havia uma varanda. Além disso, passando por dentro da sala grande, chegávamos a uma sala de tamanho médio que, por sua vez, conduzia a uma terceira, de tamanho menor. Debruçamo-nos na varanda, olhamos a mata lá fora e conversamos sobre algum assunto que não me lembro. Ele continuava demasiado sério e sem me olhar no rosto. No entanto, nesta altura, eu já havia notado seu interesse sexual por mim. Ambos estávamos interessados um no outro. De repente, sem ser explícito, ele indicou que fôssemos para um lugar mais reservado. Da sala grande, passamos pela sala intermediária até chegarmos à sala menor. Havia, na parede lateral, um pequeno orifício, como um cano de espessura mínima, diâmetro um pouco maior que o de uma caneta. Ele me indicou o local, o tal lugar mais reservado, e, me pedindo para segui-lo, entrou por esse pequeno cano, abrindo espaço com o próprio corpo, esticando-o, como as cobras se esticam ao engolirem grandes presas. De repente, sumiu. Por um instante, pensei sobre a possibilidade de acompanhá-lo. Não sabia aonde aquele canal me levaria, mas o meu interesse por aquele homem estava me movendo. Deixei R. numa estante da sala, fui ao quarto, peguei minhas coisas, enquanto me decidia, e voltei até o orifício. Por já haver transcorrido certo tempo, pensei que L. poderia estar impaciente me esperando, onde quer que estivesse. Olhei no celular e havia uma mensagem de voz dele, não ouvi. Resolvi entrar pelo caninho e encontrá-lo sem mais demoras.

Introduzi meu dedo no buraco e percebi que ele realmente se esticava, era feito de uma borracha muito elástica. Logo em seguida, introduzi minha mão direita, depois a mão esquerda, as duas mãos juntas, esticando-o. Enfiei meus dois braços, mas a borracha se rasgava e seria impossível penetrá-la. Retirei a parte rasgada, inseri meus dois braços novamente, depois minha cabeça, meu tronco, entrei. Dentro do espaço do caninho, havia uma sala de ginástica, uns colchonetes no chão. Comecei a fazer exercícios de alongamento, enquanto imaginava L. ali comigo, em contato corporal enquanto fazíamos exercícios juntos. Jogava-o para um lado, depois para outro. Nesse contato imaginado, ejaculei. Após isso, continuei o percurso pelo canal (não havia saído dele) e, na dificuldade em respirar e me movimentar, rastejando naquele espaço apertado, a imagem que via de dentro era a de um papel pardo amassado. Encontrei uma caixinha cheia de remédios. A instrução era de que eu precisava ingerir um pó dourado para não passar mal durante o percurso. Para medir a quantidade certa, teria que espalhar o pó por toda a minha mão esquerda e lambê-la. Mão dourada, lambi. Continuei o percurso até o fim, quando apareci, finalmente, num espaço verde, em declive, em paz, como a capa do novo disco do Sam Amidon.


Assim como na capa, havia pessoas interagindo com o espaço, em plena harmonia, integradas. Percebi que eu já havia estado naquele lugar antes. Logo, raciocinei que eu não precisaria do percurso através do orifício para chegar até lá, a realidade me encaminharia da mesma forma, se eu quisesse. Conhecia o caminho, inclusive. Duas primas chegaram de carro até o local, sentamos juntos numa mesa de concreto. Ficamos discutindo sobre se aquelas pessoas, que ali moravam, seriam comunistas. Perguntei a uma das primas se ela teria visto L., ela disse que sim, mas ele já havia partido. Tarde demais, pensei. Mas lembrei da mensagem de voz em meu telefone e a ouvi.

L., ao invés de perguntar onde eu estava, porque não havia ainda chegado, agradeceu pelo nosso encontro, disse que foi muito bom termos estado juntos e, pela primeira vez, senti entusiasmo em sua voz. 

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

mas caio

“Meus dias são sempre como uma véspera de partida. Movimento-me entre as pontas como quem sabe que daqui a pouco já não vai estar presente. As malas estão prontas, as despedidas foram feitas. Caminhando de um lado para outro na plataforma da estação, só me resta olhar as coisas lerdo e torvo, sem nenhuma emoção, nenhuma vontade de ficar. As janelas abrem para fora, os bancos parecem-se aos bancos e os vasos foram feitos para se colocar flores em seu oco. As coisas todas se parecem a si próprias. Nada modificará o estar das coisas no mundo, e a minha partida ontem, hoje ou amanhã, não mudará coisa alguma. Cada coisa se parece exatamente com cada coisa que ela é. Assim eu próprio, me parecendo a mim mesmo, de um lado para outro, entre cigarros sem sabor, jornais sangrentos e a certeza de que o único fato que poderia deter minha partida seria a tua aceitação deste convite: não queres me ajudar a matá-lo?”

Conto: Eu, tu, ele
Obra: Morangos Mofados
Autor: Caio Fernando Abreu

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

fernanda uma constante


gratidão, fernanda. por me representar de saia, pelo sem-fim de cores, pelos sê-los, pelo selo de cuba, pelo david ao meu lado, rabiscado, como ele verdadeiramente é. gratidão pelo meu pé amado, nesta posição que tanto uso, meio fálico, meio antena-satélite. gratidão por ter-me evitado o rosto, ou por tê-lo representado tão honesto, um borrão colorido que se expande. um dia me tomará inteiro.  gratidão pelo texto ao fundo, pelo fundo, que não li, mas suponho palavras bonitas, como o seu olhar para este nosso mundo, que tanto te necessita. 

(colagem de fernanda xavier)

domingo, 2 de novembro de 2014

o amargo

que Os sobreviventes e Terça-feira gorda eram meus contos preferidos do Caio Fernando Abreu, eu já sabia. mas eis que surge Os companheiros e me dá uma rasteira, dizendo, entre outras maravilhas, como um reflexo colorido do próprio conto, assim

“Se bem que, como rugas e perdas, cicatrizes também fossem troféus. Grandes fracassos, tipo Napoleão em Waterloo, deveriam ser condecorados, afinal por que essa discriminação maniqueísta? cobrava o Ator Bufão, vezenquando tomando as rédeas para jogar no ar palavras que, como bufão que era – e dos bons, diga-se a seu favor –, transformavam-se em várias bolas ao mesmo tempo jogadas para o alto. Seria capaz de (des)ordená-las nas mais infinitas sequências combinatórias, tipo duas vermelhas no ar sobre a cabeça uma roxa na mão esquerda uma azul na mão direita e aquela amarela passando por baixo da perna direita ou esquerda, não importa, e no ar também, neste exato momento, aquela verde-musgo. O problema maior do Ator Bufão era que todos os seus talentos não valiam um vintém, visto que nos dias de hoje já não existe muita gente interessada em bizarras combinações no ma-la-ba-ris-mo com bolas coloridas.”

terminei a leitura catando sem pressa ca-da-pa-la-vra para que eu não as perdesse, ou não as deixasse cair, como as bolas. mas a gente sempre deixa – antecipando inconscientemente a vontade de catá-las depois.


ps.: a propósito, todos os contos citados estão no livro Morangos Mofados, livro zunido fino nos tímpanos, o próprio amargo.  

Alinhavar

eles te fazem
antes de arrematarem o nó,
você se desfaz

eles observam o movimento da linha
saindo do tecido,
- quer ajuda na costura?

já se está em movimento.
eles sabem.


- fernanda xavier 



sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Revista Jangada

saíram dois poemas meus (pavão e e a tatuagem no pênis ereto daquela moça de vestido amarelo) na Revista Jangada, iniciativa do departamento de letras da universidade federal de viçosa. além dos poemas, há muitos outros lindíssimos trabalhos em prosa, fotografia, dança, crítica literária etc. vale muito a pena ver! 

e vamos seguindo que um dia a ventania me arremessa para o além-alto. 

III Sarau de Música e Poesia, Clube Literário Tamboril

aconteceu em pirapora, com artistas daqui e de buritizeiro, e o público, e o povo. pirapora e buritizeiro são duas cidades ribeirinhas do rio são francisco, separadas por uma ponte. da margem de uma dá pra ver a outra. o rio está seco, mas a arte e a cultura derramam, para equilibrar. o tema deste sarau foi modernismo-tropicália e esteve bem lindo e colorido. declamei "improviso do mal da américa", do mário de andrade, poema que trata da miscigenação brasileira na perspectiva do branco aprisionado numa raça com a qual não se identifica. é dramático e denso o poema. mário de andrade foi um grande pesquisador da cultura popular brasileira. no fim da sua vida, reclamou ter sido mais pesquisador do que poeta. talvez haja um pouco de um contido no outro, como pirapora e buritizeiro, ribeirinhas das mesmas águas. 












- primavera de 2014 - 

ps: as aquarelas são do david nascimento.