quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Se eu fosse um geógrafo


(autoria desconhecida)


“Se eu fosse um geógrafo, um fazedor de mapas, se, em vez deste relato, os editores da revista tivessem me solicitado a proposta de um mapa perfeito, acho que não utilizaria rascunho nem modelo, acho que faria um mapa sem fontes. Começaria do nada, de uma folha em branco, e esse seria o grau zero do meu mapa perfeito. Meu mapa perfeito vai se desenhando aos poucos, é infinito. Uma cidade infinita e ausente. Para entrar nesse mapa, para inscrever-se nele, um lugar teria, antes, de deixar de existir: destruído ou morto. A casa demolida, o poste tombado, o pântano aterrado. Esquinas, ruas, parques. Tudo o que desaparecesse, e que fosse irrecuperável. Hoje, a cada vez que dou um clique na minha máquina, penso nisso, penso nesse mapa negativo, em um atlas negativo – de tudo o que acabou. Talvez seja essa uma forma de dominar o tempo: o mapa perfeito é o mapa do que não há mais.”


[Marcílio França Castro. A história secreta dos mongóis
In: Histórias naturaisCompanhia das Letras, 2016]